segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Memória do Jornalismo Esportivo - I -


                                         Iniciamos hoje a série "Memória do Jornalismo Esportivo" numa homenagem aos companheiros que nos diversos veículos de comunicação contribuíram com a história do esporte brasileiro.                                                                                                        
                                                                                          
Gagliano Neto                                                                                                                       

                Leonardo Gagliano Neto iniciou a carreira de locutor esportivo na Rádio Cruzeiro do Sul, em São Paulo. Em 1938, o jovem pernambucano de 27 anos transmitiu com exclusividade pela Rádio Clube do Brasil a Copa do Mundo diretamente da França.
                 As rádios Cruzeiro do Sul do Rio de Janeiro e Cosmos e Cruzeiro do Sul de São Paulo entraram em cadeia com a Rádio Clube do Brasil, em colaboração com os jornais O Globo e Jornal dos Sports. Gagliano Neto era o único locutor sul-americano a transmitir os jogos de nossa seleção.
                O estilo sóbrio e a facilidade de improvisar de Gagliano Neto chegavam aos ouvidos dos torcedores brasileiros através de altos falantes nas praças públicas das principais cidades. O Brasil parou. Nas residências, mesmo com a precariedade dos receptores, as transmissões tinham grande audiência.
                Em 1948, no Rio de Janeiro, Gagliano Neto fez da Emissora Continental a primeira rádio esportiva e informativa, cujo slogan era: “Emissora Continental, 100% esportiva e informativa”. Quando terminavam as coberturas esportivas, seus locutores anunciavam: “voltamos a falar da nossa sede, ontem, hoje, amanhã e sempre a verdadeira casa do esporte”. A presença de Gagliano era tão marcante que a Emissora Continental divulgava sua programação esportiva como “Rádio Esporte Gagliano Neto”.
                Gagliano trabalhou ainda nas Rádios Nacional, Mayring Veiga e Globo e encerrou a sua carreira quando retornou a São Paulo.

Gagliano Neto foi um dos grandes nomes do rádio esportivo brasileiro.
 
Anúncio da programação esportiva da Rádio Globo, tendo Gagliano como seu diretor e locutor principal 
 
No anúncio das programações esportivas das rádios cariocas, a Emissora Continental se anunciava como Rádio Esporte Gagliano Neto.
 
 

70 anos do primeiro tri do Flamengo


                                         70 anos do primeiro tri do Flamengo

            No dia 29 de outubro de 1944, os milhares de expectadores que lotaram o Estádio da Gávea assistiram o Flamengo vencer o Vasco por 1 a 0 e conquistar o primeiro tricampeonato da sua história.
            Thomaz Soares da Silva, o “Mestre Ziza” foi um dos maiores craques da história do futebol brasileiro. Entre as suas grandes conquistas está o primeiro tricampeonato carioca nos anos de 1942, 1943 e 1944. Ele nos falou sobre esse título que até hoje orgulha a nação rubro-negra:
 “Esse tri foi famoso e dramático, porque nós ganhamos bem o campeonato de 42. Em 43, já foi um pouco mais difícil e em 44 estávamos sete pontos atrás e partimos para ganhar e ganhamos. A final de 44 é que foi dramática, porque do ataque do Flamengo, só ficaram eu e o Tião. O Perácio tinha ido para a guerra e entrou o Tião. Só eu e o Tião tínhamos condições de jogo. Válido jogou as três ultimas partidas do campeonato. Na véspera da final, ele estava com quarenta de febre. Nós deveríamos ter ganho o jogo antes. O Vasco teve dois lances de saída, com duas grandes defesas do Jurandir e depois nós dominamos a partida. Perdemos muitas oportunidades e o gol saiu porque nós merecíamos”. 

 Sobre o discutido gol de Valido, que deu a vitória e o tri ao Flamengo, Zizinho deu a sua versão:
“Eu duvido que alguém cabeceie uma bola cruzada se apoiando no ombro de uma pessoa. Uma mente maldosa poderia criar uma coisa dessa. Vamos para o campo e peça a qualquer jogador de futebol que cabeceie uma bola, apoiando antes a mão no ombro de alguém. Se ele colocar as duas mãos no ombro do cara ele não vai olhar mais a bola. O lance foi normal. Naturalmente, pegaram uma fotografia do Valido caindo e na caída ele deve ter se apoiado nas costas do Argemiro, mas a bola já estava no gol ”.
Zizinho também nos contou sobre as dificuldades encontradas no caminho do tri:
 “Bem, em 44, o time do Vasco já era melhor do que o do Flamengo. Honestamente, já era melhor e nós tínhamos que ganhar aquela. Nosso time já estava caindo e uma campanha de tricampeonato é muito cansativa. Os jogadores jogaram em péssimas condições a ultima partida. O Vasco cresceu muito, o Fluminense melhorou também a sua equipe.
O Vasco foi campeão em 45, o Fluminense em 46 e nós nos perdemos um pouco. Já no tricampeonato, nós tínhamos perdido o grande jogador da equipe, Domingos da Guia. Quando nós olhávamos para trás e não víamos o Da Guia tomávamos um susto, porque ele era aquele homem frio, zagueiro que nunca mais acho que vou ver igual e aquele amigo de todos os momentos, que animava a gente. Nós éramos, na maioria, jovens ainda. Quando perdemos o Da Guia ...
Ganhamos o tricampeonato na marra, na vontade dos jogadores, principalmente a ultima partida, quando não tínhamos ninguém em condições. O Vevé estava com problemas no menisco; Pirilo estava em péssimas condições de saúde; Valido entrou e na véspera estava com quarenta graus de febre. Precisava muito coração para ganhar do Vasco, que era uma equipe que estava subindo”.
Equipe do Flamengo com a faixa de tricampeão carioca: Zizinho, Bria, Nilton, Quirino, Jurandir, Jaime e Flávio Costa; Johnson, Vevé, Valido, Pirilo, Tião, Jaci e Jarbas.
 
Bola no fundo da rede do Vasco. Barqueta está caído; Rafanelli olha desolado; e Pirilo prepara-se para comemorar o gol de Valido.

 
Valido cabeceia entre Argemiro e Rafanelli para marcar o gol do  tricampeonato.
 
Matéria publicada no Jornal dos Sports sobre a vitória do Flamengo por 1 a 0 sobre o Vasco, que deu o tricampeonato a equipe rubro-negra.
 

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Adeus a Jair Santana


Acabei de receber a mensagem de Eduardo Coelho, grande tricolor, sobre o falecimento de Jair Sant'Anna. A forma que encontrei para homenageá-lo foi postar aqui no nosso Álbum dos Esportes a entrevista que fiz com ele na loja do meu saudoso amigo Amaro, em Bonsucesso.
 
Assim, os amantes do futebol, especialmente, o tricolores conhecerão um pouco mais da vida desse eficiente e dedicado jogador.
 
Jair Florêncio de Sant’Anna é o conhecido Jair Santana que vestiu as camisas do Olaria e do Fluminense. Nossa conversa teve como local a Amaro Sports, em Bonsucesso, tradicional ponto de encontro de ex-jogadores: 

“Sou nascido e criado aqui em Olaria, no bairro Cariri como é conhecido. Comecei jogando futebol no Jurema. Com 16 anos fui para o juvenil do Vasco, onde fiquei um ano e pouco. Em 1949, vim para o Olaria e lá permaneci por dois anos. No final de 51, o Fluminense me contratou, ficando até 1961.

Sem chance no Vasco o caminho foi o Olaria 

Num jogo no Caju, um senhor que era diretor do Vasco me convidou para jogar no Vasco. Lá existiam o “expresso”, o “expressinho” e mais dois times. Não tive oportunidade. Como morava em Olaria e conhecia todo mundo, fui convidado pelo Jair Boaventura para ir ao Olaria, onde teria mais facilidade para subir no futebol. 

No juvenil do Vasco, meus companheiros eram Ernani, Wilson, Vasconcelos, Jansen. No time titular jogavam Maneca, Ipojucan, Nestor, Eli, Danilo, Augusto, Rafanelli, Friaça, Ademir, Chico. Eram quatro, cinco jogadores para cada posição. 

O Olaria era um time muito respeitado. Mas, lamentavelmente, o pessoal do juvenil não tinha um contato maior com os profissionais. Quando passei para os aspirantes, treinávamos juntos e fui muito ajudado, especialmente, pelo Lima que meu deu muita força.  

           Aprendi muita coisa boa no Olaria. A estrutura era boa, pagava em dia e tinha um bom presidente, o Seu Melo. Devo muito ao Olaria, porque lá eu apareci como profissional.


            Nas peladas e no juvenil do Vasco, eu era ponta-direita. Fui para o Olaria também como ponta-direita. Antigamente não havia substituição. Num jogo fui recuado para o meio de campo e fiquei a vida toda. 


            O time principal do Olaria na minha época era: Zezinho ou Itagoré; Osvaldo e Lamparina; Jair Santana, Olavo e Ananias; Cidinho, Alcino, Maxwell, Lima e Esquerdinha. O Jornal dos Sports implantou o sistema de notas e tive sempre boas notas.


No Fluminense pelas mãos de Castilho

Terminou o campeonato e eu fui sondado pelo Vasco e recebi propostas do Palmeiras e do Flamengo. Mas, eu sendo de Olaria e o Castilho também, ele veio a mim, sabendo da pretensão de outros clubes e me convidou para o Fluminense. Como o Zezé Moreira gostava muito do meu futebol, acertei a minha ida para o Fluminense”.             


Taça Rio, a maior conquista
Jair chegou as Laranjeiras no final de 1951, ano em que o clube conquistou o título carioca:

                “Meu primeiro título foi o da Taça Rio, considerado campeão mundial. No Olaria, jogávamos pelo Brasil e não pegávamos times estrangeiros. Joguei todos os jogos da Taça Rio e a experiência foi muito boa, porque enfrentei grandes jogadores estrangeiros e de seleções de seus países. Castilho, Píndaro, Pinheiro e Didi, meu companheiro de meio campo, me incentivaram muito.
                O jogo contra o Peñarol foi muito importante, porque jogavam oito ou nove jogadores da seleção uruguaia. Píndaro, que era o capitão, nos reuniu e disse que aquele jogo nós iríamos ganhar de qualquer maneira. Era vida ou morte. A partir dali chegamos à final e fomos campeões invictos. Foi o maior título da minha vida”.
Vítima do “massacre” de Montevidéu

No ano seguinte, o Fluminense vai à capital uruguaia disputar a Copa Montevidéu. Lá no último jogo contra o Nacional, os jogadores brasileiros sofreram sérias agressões, inclusive Jair Santana:
“O Fluminense jogou bem e endureceu o jogo. Eles partiram para a agressão e houve uma briga generalizada. Levei um soco com tanta violência que parecia um soco inglês. Um dente meu enterrou na gengiva, fiquei hospitalizado e quase não retornei com a delegação. Apanhamos muito. A nossa sorte é que o Castilho pegou uma espada, acho que de um policial, quebrou na baliza e partiu para dentro dos caras e nós conseguimos chegar ao vestiário.
Na volta ao hotel, fomos agredidos novamente com pedras no ônibus. Voltei e cheguei aqui no Brasil com o lábio arrebentado e minha boca toda inchada”.
A briga entre Olavo e Telê
No dia 14 de agosto de 1955, na 2ª rodada do campeonato carioca, jogavam Olaria e Fluminense, na Rua Bariri, quando o olariense Olavo, inconformado com a sua expulsão, correu atrás do árbitro Antônio Muzitano. Jair participava do jogo:
“Olavo era um jogador rígido na marcação. Ele antes dos jogos gostava de amedrontar os adversários. Ele disse que ia quebrar a perna do Telê. O Telê não tinha medo e zombou dele. Houve um lance que o Olavo deu uma entrada no Telê e o Telê revidou. O juiz não viu o revide do Telê. Quando o Telê levantou, o Olavo partiu para agredi-lo. Eu ainda tentei segurar o Olavo pelo pescoço e fiquei com o cordão dele na mão. O Muzitano o expulsou, Olavo lhe deu um pontapé. O Muzitano correu e o Olavo saiu atrás dele. Olavo tinha a cabeça muito quente e não se deu bem no futebol por causa dessas atitudes. Foi um lance muito triste, porque eu gostava muito do Olavo”.
Os títulos do Rio-São Paulo e os vices cariocas
Em 1957, o Fluminense conquistava o Torneio Rio-São Paulo invicto, perdia a final do campeonato para o Botafogo e, em 60, venceu novamente o Rio-São Paulo. Jair Santana estava presente em todos esses episódios:
“Eu e o Ivan revezávamos. A turma era muito unida e o Fluminense foi o primeiro time carioca a ser campeão do Rio-São Paulo.
Agora, a decisão do campeonato contra o Botafogo, são coisas que acontecem no futebol, que a gente não espera. Nós entramos, tomamos um gol logo no início, tomamos o segundo gol, o time descontrolou foi prá frente e não deu mais. Houve muitos gols de sorte e uma série de coisas que aconteceram dentro do jogo que não acontecem duas vezes. Foi um dia que nada deu certo.
Em 60, já estava terminando de jogar, mas eu sempre entrava no meio dos jogos. A base era a mesma e os jogadores eram muito amigos uns dos outros. As grandes figuras, como Castilho e Pinheiro, eram humildes e sempre nos ajudavam. Os novos entravam e nós veteranos dávamos força”.
As viagens constantes e o fim da carreira
Nos anos 50 e 60, os clubes brasileiros viajavam muito para o exterior. Jair nos fala sobre as experiências adquiridas nessas viagens:
“Para mim foi importante conhecer quase todo o mundo. Fui três vezes a Europa e viajei muito pelas Américas. Conheci meu filho dois meses depois dele ter nascido. No exterior nós nos tornávamos mais unidos. Eu era muito versátil, me defendia em outras línguas”.
No início dos anos 60, Jair encerrava a carreira:
“Estava com 30 para 31 anos que era o limite para fazer o Curso de Educação Física. Conversei com o Zezé Moreira e ele me permitiu participar apenas dos coletivos. Os individuais eu fazia na Escola. Mas chegou um momento que não dava para conciliar as duas coisas, além do meu trabalho. Comuniquei que não dava mais e o clube me deixou muito a vontade. Tudo o que sou devo ao Fluminense”.
Castilho e Veludo dois grandes goleiros
Durante alguns anos, Jair acompanhou a disputa entre Castilho e Veludo, dois excepcionais goleiros, pela posição de titular:
“Eram dois goleiros consagrados. Inclusive houve um treinador que fazia o revezamento entre os dois. Um jogo cada um. O Castilho se dedicava mais aos treinamentos. Veludo nem tanto. Ele gostava de farra. Às vezes relaxava um pouco. Não havia rivalidade entre eles e o grupo aceitava igualmente os dois. Castilho sabia do potencial do Veludo e dizia para mim: “Jajá, eu entro até de muleta, porque se eu der o lugar a esse crioulo, ele não sai mais”. Os dois eram tão bons que foram para a Copa de 54”.
A diferença entre Zezé e Gradim
Vários técnicos dirigiram Jair na sua carreira. Ele elege aquele que mais influenciou na sua vida profissional:
“Zezé Moreira além de grande treinador, era uma pessoa justa, o que eu acho essencial num treinador de futebol. Deve tratar todo mundo da mesma maneira. Seja o cobrão ou o cobrinha. A vontade dele prevalecia. Sempre o respeitei e por causa dele fiz o Curso de Educação Física e vim a ser técnico de futebol. Eu era muito disciplinado e ele conversava muito comigo”.
Sobre Gradim com quem também conviveu, Jair dá a sua opinião:
“Meus pais diziam que ele foi um grande centroavante. Quando fui para o Fluminense, Seu Gradim era auxiliar de Seu Zezé. Gradim, durante a Copa de 54, viajou conosco para a Europa e América Central. Era um grande conhecedor de futebol. Talvez pela sua simplicidade e a forma educada de tratar os jogadores não conseguia se impor como Seu Zezé”.
Didi e Zizinho dois grandes craques
Entre os adversários, Jair aponta o que mais lhe preocupavam:
“Didi que felizmente fui jogar na mesma equipe dele; Zizinho era esperto, brincava muito no jogo, queria jogar a bola entre as pernas dos adversários, ele era simplesmente espetacular; Ipojucan e Maneca eram bons”.
A alegria de Bigode        
Seu companheiro Bigode sofreu muito por ser considerado um dos principais culpados, pelo fracasso diante do Uruguai:
“Bigode era um cara muito introvertido. Eu não conhecia Bigode antes da Copa do Mundo. Ele sempre foi reservado. Não gostava de tocar nesse assunto. Em 52, ele enfrentou o Gighia aqui no Maracanã e não deixou o Gighia andar. Senti a alegria dele após o jogo. Eu dava muita força a ele e sei que ele gostava muito de mim”.
No futebol faria tudo outra vez
Jair jogou durante nove anos no Fluminense e ao encerrar falou sobre todo esse tempo:
“Se Deus me desse o poder de nascer hoje, eu faria a mesma coisa. Começava no juvenil do Vasco, jogava no Olaria, onde fui muito bem tratado, e acabava no Fluminense. Quando garoto era americano, porque minha mãe torcia pelo América. Mas o Fluminense me conquistou. A melhor opção que eu fiz na minha vida foi jogar no Fluminense”. 
Descanse em paz Jair Santana! 

 
 
Jair na equipe do Olaria que goleou o Botafogo por 5 a 0, na 2a rodada do campeonato carioca de 1950: Amaro, Milton, Lamparina, Jair, Olavo e Ananias; Jarbas, Alcino, Maxwell, Washington e Esquerdinha.
 
 
                     Em 1951, Jair, Olavo e Ananias antes de um treino, na Rua Bariri
 
 
Jair na equipe do Fluminense antes da partida decisiva com o Corinthians, na Taça Rio de 1952: Píndaro, Edson, Jair, Bigode, Castilho e Pinheiro; Telê, Orlando, Marinho, Didi e Quincas.
 
 
Desembarque da delegação do Fluminense, em 1960, após excelente excursão ao exterior. Vemos Paulinho Omena, Jair, Telê, Almir e o massagista Barruto. 
 
 
Jair ao lado de Zizinho por ocasião do lançamento da biografia de Telê.