quarta-feira, 18 de janeiro de 2017


                          Zezé Moreira comanda o “timinho” campeão – II –

Orlando “Pingo de Ouro”
       Na entrevista que fiz com meu amigo Orlando, o famoso “Pingo de Ouro” no programa “Álbum dos Esportes”, na Rádio Capital, em 1984, ele falou sobre a campanha do título carioca de 1951:
“Em 1951, o Fluminense conseguiu Zezé Moreira. Ele foi um grande timoneiro e impôs uma rígida disciplina tática. O Fluminense era conhecido na época como timinho. Não era timinho, porque tinha Castilho, Píndaro, Pinheiro, Vitor, Telê, Didi, Carlyle. Castilho veio do Olaria; Pinheiro e Telê subiram do juvenil; Carlyle foi contratado ao Atlético Mineiro; Vitor veio do Bonsucesso; Edson veio de Minas”.
Perguntado por nós se a função desempenhada por Telê era uma decisão do jogador ou estabelecida por Zezé Moreira, Orlando respondeu sem deixar dúvidas:
“Naquela época ninguém fazia nada de sua própria cabeça. Os técnicos tinham uma força incomensurável. Zezé Moreira pegou Telê, que era centroavante do juvenil, jogador muito inteligente, de muita habilidade e o colocou na ponta-direita, jogando recuado no meio de campo.
Zezé era de uma personalidade gritante, a ponto de pedir a retirada do presidente do clube do vestiário, porque ele queria dar instruções e não queria ninguém presente. Hoje em dia não. Um jogador ganha mais do que o técnico e põe o técnico para fora.
Foi Zezé que esquematizou o time. O time era defensivo, tanto que nós quase sempre ganhávamos de 1 a 0. O ponta adversário pegava a bola, nosso beque já recuava, o meio de campo fechava o funil e restava ao adversário centrar a bola. Aí nós tínhamos Castilho fabuloso, Pinheiro muito alto. Os ataques morriam ali”.
Com relação às críticas da imprensa que insistia em chamar o Fluminense de “timinho”, Orlando explica a reação dele e de seus companheiros:
“Comentávamos muito sobre o assunto e se pudéssemos nos rebelar, nos rebelaríamos, principalmente os atacantes. Ficar lá na frente com o Carlyle era uma loucura. Mas, como estávamos em grande forma e o Carlyle era um artilheiro muito bom, nós fazíamos os gols do Fluminense.”
Pinheiro
            Conversei com Pinheiro, um dos maiores zagueiros da história do Fluminense e do futebol brasileiro, no seu apartamento no Recreio dos Bandeirantes. Ele era o chamado zagueiro de espera, que jogava na sobra, na cobertura dos companheiros que davam o primeiro combate aos atacantes adversários e nos explicou como funcionava o esquema do técnico Zezé Moreira:
“Olha, foi muito interessante. Depois do supercampeonato de 46, o Fluminense dispensou uns 11 jogadores. Do time ficaram Orlando, Rodrigues e Pé de Valsa. Em 48, jogavam Ïndio, Pé de Valsa, Bigode, Santo Cristo, Simões, Castilho, Orlando e Didi. Em 49, veio o Carlyle. Em 50, foram feitas muitas experiências e só ficávamos eu, Píndaro, Castilho, Orlando e Didi. 

Quando o Zezé entrou vieram Edson, Vitor, Lino. Foram promovidos Telê, Joel, Robson e retornou o Bigode. Joel era muito combatido por ser meio lento, mas era excelente. Batia muito bem com a direita e a esquerda. Obediente taticamente, metia a bola onde queria. Carlyle entrava e ele metia a bola na cabeça do Carlyle . Zezé, excelente treinador e de uma moral fora de série, nos dava muita força 

Nós éramos muito unidos e não nós importávamos em sermos chamados de timinho. Se nós fomos dominados pelo adversário e ganhamos de 1 a 0, vamos dar continuidade a isso. Nós conversávamos muito a esse respeito. 

O Fluminense não era um time defensivo. Jogávamos defendendo os setores. Nós não dávamos combate de lado ao adversário de posse da bola. Se o ponta pegasse a bola, por exemplo, o lateral não corria lado a lado com ele. Eu saía e ficava de frente, obrigando-o a parar a bola, para dar tempo de um companheiro fazer a cobertura. Nós não íamos de primeira no combate. Quando o Píndaro ia cercar o ponta, eu já ficava nas costas do Píndaro. Eu fazia a cobertura dos dois lados. Eu dentro das minhas características jogava como um beque de espera, um líbero. Zezé deixava eu jogar como eu sabia, colocando dois volantes na minha frente. Hoje, são cabeças de área.

O Edson e o Vitor, também, atacavam. O primeiro combate era dos dois. Um dava o combate, o outro ficava na cobertura. O adversário ficava muito com a bola nos pés, dando a impressão de que o Fluminense estava sendo dominado. Só que o Fluminense tinha dois jogadores, que quando a bola chegava neles, eles deixavam os atacantes na cara do gol. Eram Didi e Telê, com o Joel recuando um pouco. Orlando foi um baita jogador e o Carlyle muito técnico e inteligente. Carlyle foi artilheiro do campeonato e jogou na seleção brasileira. Lino, revelação do São Cristovão, era um ponta muito rápido e driblador. Quando se machucou Zezé colocou o Telê.  

Os ataques do Fluminense eram feitos com bolas muito bem lançadas. Melhorou com o Telê, porque ele era um centroavante muito habilidoso. Ele fechava o meio, roubava a bola e dava ao Didi, e abria pela ponta. Aí, nós no ataque tínhamos os dois pontas. Os adversários eram muito bons. Nós tínhamos consciência do falso domínio deles. A velocidade nossa era na saída da bola”.

Píndaro
            No jardim do edifício na Rua Marquês de São Vicente, na Gávea, conversei por longo tempo com Píndaro. Ele salientou a união do grupo:
“Quando o Zezé entrou, contratou um jogador, o Edson. Ele veio de Minas  e tinha grande poder de marcação. Mas, o Zezé trabalhava a gente e conseguiu unir a turma. O pior num time de futebol é a desunião. O Fluminense teve uma época, muito depois, quando jogava esse menino Branco, que existiam duas ou três panelinhas. Um time não pode ter panelinha. A direção técnica é primordial. Se você não souber dirigir um time, colocar os jogadores se respeitando mutuamente e fazendo crescer a união, você pode colocar o melhor técnico do mundo, os melhores jogadores do mundo, que não vai dar certo. Zezé era exigente e justo. O time foi formado com jogadores que já estavam lá, mais o Edson e jogadores crias da casa que foram promovidos, como Pinheiro, Telê, Quincas, Joel.
A marcação por zona bem orientada e bem executada é taticamente o que se faz hoje. Você não vê um lateral atrás de um ponta que se desloca muito. Então, cada um cobre um setor. O Edson era sacrificado, porque faltava nele algumas qualidades. Ele pegava a bola e tinha que passar três vezes para acertar uma. Então, jogava nos pés do adversário e tinha que tomar a bola, até acertar o passe. O Didi quase não corria. Ele ficava ali naquela área do deixa que eu fico e às vezes eu tinha que dar uma carreira nele, para ele ir para frente. Didi metia bolas de 30 metros, enquanto Edson tinha que correr com ela.
Na época nós não sentíamos a diferença que a imprensa fazia do nosso time para os outros, nos chamando de “timinho”. O time era muito unido e de muita personalidade. Antigamente nós nos sacrificávamos, tínhamos raça. Hoje o dinheiro está atrapalhando. Muitos jogam sem essa vontade. Nós damos de 10 a 0 neles”.
Victor
            Na sala do Flu Memória, na presença do querido amigo Luizinho, funcionário que cuida com zelo total do precioso acervo, ouvi a opinião de Victor sobre o time campeão carioca de 1951:
“Cheguei ao Fluminense em 1951. Não fui titular logo no início. O titular era o Pé de Valsa e o Nelson Adams o reserva. Para alegria minha e infelicidade do Nelson Adams, ele rompeu o tendão de Aquiles e não conseguiu voltar mais. Eu me adaptei mais ao sistema do Zezé Moreira, a marcação por zona, do que o Pé de Valsa, que era muito mais técnico mas eu era mais briga. 

Veio o campeonato eu joguei nos aspirantes e o Pé de Valsa no time titular. Na terceira ou quarta rodada, os aspirantes venceram do Vasco, se não me engano, por 3 a 0, e os titulares perderam por 4 a 2 e o Pé de Valsa foi queimado.  

Na semana do jogo contra o Bangu, Zezé me colocou para treinar meio tempo nos aspirantes e meio nos titulares. Na concentração os aspirantes acordavam às 7 horas e os titulares às 8. No domingo do jogo, não me acordaram. Às 10 horas fizemos a revisão médica e o Pé de Valsa foi queimado, dizendo que a pressão dele estava alta. Para minha felicidade a porta se abriu naquele dia. Ganhamos do Bangu, que era o bicho papão, por 5 a 3, e daí por diante joguei o campeonato todo”. 

A imprensa em geral e os torcedores dos outros clubes chamavam a equipe do Fluminense de timinho. Victor nos conta como ele e seus companheiros reagiam e a partir de qual momento sentiram que poderiam ser campeões: 

“Só quero saber o seguinte: time igual ao do Fluminense, da categoria do Fluminense, com quatro jogadores de seleção, é timinho? Então os outros o que eram? Perna de pau. Tínhamos Castilho, Píndaro, Pinheiro, Didi, Orlando. Eles pensavam que era timinho, mas não era. 

Nós sentíamos que tínhamos condições de chegar ao título, porque nós éramos muito aplicados. Nós sabíamos o que o Zezé queria. Nós cumpríamos aquilo à risca, nunca fugimos. Todo mundo dizia é marcação por zona, ele vai matar os jogadores. E ninguém morreu. Eu, por exemplo, não morri. Eu e o Edson tínhamos um preparo físico muito bom e marcávamos muito. 

A derrota na última rodada, que provocou a melhor de três, para nós foi uma surpresa, apesar do Bangu ter um grande time. O nosso era mais aplicado e mais bem treinado. Nós quando saímos para a decisão contra o Bangu, saímos compenetrados que tínhamos time para ganhar do Bangu.  

A posição do Telê no juvenil era centroavante. Quando o Telê foi para o profissional, o Zezé o colocou na ponta direita, porque queria alguém que fechasse pelo lado direito e não ficasse fixo lá na frente. Telê se adaptou de tal maneira que se tornou a figura no time que mais cumpria a determinação do Zezé.  

Carlyle foi expulso no primeiro jogo e o Telê foi escalado como centroavante, entrando o Lino na ponta direita e o Robson na esquerda. 

Na primeira partida, num escanteio, o Carlyle se aproximou do Osvaldo “Topete” e foi empurrado por ele. Quando o Osvaldo deu às costas, o Carlyle desmanchou o cabelo dele. O Mário Vianna expulsou só o Carlyle. Eu tinha a certeza de que aquele ano era do Fluminense. 

No primeiro jogo, o Mendonça ameaçou todo mundo. Ameaçou o Joel. O Didi foi se meter e ele também o ameaçou, dizendo que ia dar mesmo. O Didi respondeu se ele fosse dar, ia levar também. Na primeira bola dividida com o Mendonça, o Didi já estava prevenido e malandramente esticou a perna a mais e aconteceu o que não podia acontecer, fraturar a perna do Mendonça”.

 
No vestiário, após o primeiro jogo da melhor de três, Orlando, autor do gol da vitória tricolor, é abraçado pelo Presidente Fábio Carneiro de Mendonça
 
 
Pinheiro é carregado pelos torcedores do Fluminense após a conquista do campeonato carioca de 1951

 
Píndaro protege a defesa de Castilho

 
Na sede do Fluminense, Victor e Orlando são carregados por torcedores na festa pelo título de campeão carioca de 1951
 

 

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