Adeus a Emilson um tricolor de coração
Ontem, aguardava o início da partida Fluminense e Vitória e observei que respeitava-se um minuto de silêncio. Logo depois veio a informação sobre o falecimento de Emilson Pessanha. Partia um verdadeiro tricolor de coração.
O campista Emilson
dedicou a maior parte de sua vida de jogador de futebol ao Fluminense. Na Barra da Tijuca, ele nos recebeu, no dia 5 de
fevereiro de 2007, à beira da piscina do belo condomínio onde residia:
A chegada ao Fluminense e a ida para seleção
Em Campos, meu primeiro time organizado e único foi o Americano. Aliás, eu joguei no Brasil em três clubes: Americano, onde comecei, Fluminense e Internacional, de Porto Alegre. No Americano, no mesmo ano, joguei no juvenil, no 2o time e no principal.
No Fluminense, eu comecei no juvenil onde o Pinheiro também jogava. Jogava também o Vermelho e o nosso time era muito bom. Raramente perdia. Cheguei em 1949, com 18 anos, e disputei o campeonato de juvenil. O diretor era o Preguinho e o time já era bicampeão de 47 e 48.
Em 1950, subiu o Telê e o técnico do time principal era o Ondino Viera. Em 1950, a equipe profissional excursionou pela América do Sul e fui como amador. O centro-médio titular era o Pé de Valsa. No final da excursão já estava jogando meio tempo eu, meio tempo o Pé de Valsa. Contra a seleção uruguaia que se preparava para a Copa do Mundo, eu joguei meio tempo, ele jogou outro. Empatamos com eles de 1 a 1 e 3 a 3, em Montevidéu.
Na viagem de volta, no avião, o Ondino me disse: “Eu quero que você assine contrato”. Fui a Campos, pedi a meu pai e ele deixou. Retornei e o Prego, o Otávio Faria, o escritor, e o Baeta Neves me disseram para eu não assinar, porque nós queremos o tetra campeonato.
Concordei e falei com o Ondino que não gostou muito. Disputei o campeonato e fomos tetracampeões sob o comando do Oto Viera. Mas, isso me atrasou um pouco a carreira. Aí eu errei quando assinei contrato, porque se eu não assinasse eu iria para à Olimpíadas de 52, em Helsinki, na Finlândia. Zózimo foi em meu lugar. Por sinal, era o meu reserva na seleção carioca de amadores”.
No ano em que Emilson se profissionalizou, a campanha do Fluminense o levou a terminar o campeonato atrás do Olaria, em 6o lugar. Vamos saber sobre as mudanças que levaram o tricolor ao título carioca de 1951:
“Houve uma mexida muito grande no time de 49 para 50. Todo time que mexe muito só vai acertar depois de ter um conjunto a partir do momento em que todos se conhecem. Nosso time de aspirantes, por exemplo, tetracampeão de 51,52,53 e 54 quase não mudava. Eu joguei praticamente todas as partidas. O mesmo acontecia com os juvenis.
A chegada de Zezé Moreira foi fundamental. Aproveitou os principais jogadores que já estavam no time como Castilho, Píndaro, Pinheiro, Bigode, Didi, Carlyle. O Fluminense contratou Victor, do Bonsucesso, Edson, do Siderúrgica, de Minas Gerais, e promoveu alguns juvenis entre eles o Telê.
Telê era centroavante. Fraquinho, magro e bom de bola. No meio campo, o Zezé tinha o Didi que jogava com a bola no pé, mas não tirava de ninguém. Não gostava de marcar. Zezé tinha que arrumar uma muleta para o Didi. Um cara que corresse. Então, o Zezé viu no Telê, pela habilidade e inteligência, o cara ideal para a função que ele queria.
Antes o Zezé ia armar o esquema pela esquerda, mas ficava um pouco longe do Didi. Zezé conversou com o Telê e ele doido para subir topou a parada. Telê saiu de centroavante e foi para a ponta direita para ser a muleta do Didi. O Telê, magrinho, correndo muito, passou a cobrir o lado direito. Terminava o jogo abatido, mas fazia a função e bem. Telê tinha a vantagem de cruzar bem a bola e pegar de sem pulo. Depois quando veio o Escurinho, muito veloz e sempre indo à linha de fundo, o Telê pegou muitos cruzamentos de sem pulo, vindo de trás.
O esquema do Zezé era a “marcação por zona”. Jogavam Castilho, Píndaro e Pinheiro e Bigode como lateral. Eles três ficavam esperando mais ou menos na entrada da grande área. Os jogadores de meio campo é que davam combate aos pontas.
Quando o primeiro marcador levava o drible, dependendo do lado, o Píndaro ou o Bigode encostava. A ideia era congestionar a defesa, diminuindo o espaço para o adversário. Os aspirantes seguiam mais ou menos o esquema do time de cima para quando um de nós fosse solicitado já estava acostumado com o sistema.
O Edson era da minha posição e no esquema do Zezé tinha uma função desgastante. Eu que era da posição dele nos aspirantes não era tão exigido. Eu era um jogador mais técnico. O Edson e o Victor eram mais lutadores. O Edson tinha uma saúde cavalar.
Em virtude dessa marcação, nós sabíamos que o time adversário ficava mais com a bola. Mais acontece que tinha dificuldade de chegar ao nosso gol. Por isso nós éramos chamados de timinho, porque nós ficávamos esperando da intermediária para trás. Quando nós pegávamos a bola partíamos em velocidade e pegávamos o adversário desprevenido e ganhávamos às vezes por 1 a 0. Fazíamos um gol e nos recolhíamos”.
Jogavam nas duas equipes jogadores que se nivelavam tecnicamente. Emilson nos fala se havia alguma rivalidade no grupo:
“Não havia rivalidade. Prevalecia o espírito de grupo. Antigamente era muito diferente do que é hoje. Até para sairmos na rua, saímos sempre em grupo. Vivíamos ali no Largo do Machado, sempre juntos. As namoradas eram quase sempre do mesmo grupo. Hoje mudou muito. Eu até bem pouco tempo não sabia que na seleção brasileira na última convocação ficou cada um num quarto. Isso é loucura. Só doido faz isso. No quarto nós conversamos muita coisa. Aprendemos muito um com o outro.
A concentração do Fluminense era uma grande república. Nós ficávamos jogando biriba, conversávamos sobre o jogo, ouvíamos a opinião de um e de outro. Muitas vezes a concentração começava às quintas-feiras.
O Fluminense possuía Castilho e Veludo. Se pudesse escalaria os dois. Embora eu tivesse jogado muitos anos com Veludo, eu acho que o Castilho era um pouquinho superior. Castilho era bem mais profissional. O Veludo nos dias de jogos estava bem, porém fora da concentração era um perigo.
O Castilho não era goleiro. Ele era ponta esquerda e quando viu que não dava, porque era muito ruim, foi para o gol. Após os treinos, nós íamos tomar banho e o Castilho ficava no campo treinando”.
Emilson fala sobre os melhores momentos vividos no Fluminense e se emociona quando indagamos as razões que o levaram a sair do clube:
“Meu grande momento foi o tetracampeonato carioca de aspirantes, em 1954. Era um título raro de acontecer. Nosso time já chegava à última rodada campeão. Perdemos muito pouco nos quatro campeonatos. Uma das derrotas foi contra o Vasco, no Maracanã, que escalou vários jogadores do primeiro time. Assim mesmo o resultado foi 3 a 2. Vibrei muito também com a conquista do título sul-americano de juvenis, no Chile, em 1949.
Não esperava sair do Fluminense. Em 1954, Zezé saiu e entrou o Russo. Não cheguei a um acordo financeiro com o clube e não me entendi bem com o Russo. Quando retornei de uma excursão ao Paraguai, infelizmente saí do Fluminense. Fui para um clube bom. Mas gostava do Fluminense, tinha prestígio dentro do clube e não esperava sair. Não esperava mesmo. O Russo disse que dispensava meus serviços e que eu podia sair.
O meu padrinho no Fluminense era o Preguinho. Contei o que estava se passando e ele me disse: “Se você vai ser liberado, vai ser com passe livre”. Naquela época quase ninguém pegava passe livre e peguei o meu. Apareceu o Internacional, de Porto Alegre, e eu fui para lá.
O Internacional estava negociando o Salvador, centromédio, com o Peñarol. Não me lembro quem deu informações sobre meu estilo técnico de jogar, semelhante ao do Salvador. O time base do Internacional que foi campeão em 1955 jogava com Lapaz, Mossoró e Florindo, Odorico, Salvador e Oreco; Luizinho, Bodinho, Larry, Jerônimo e Chinezinho.
O frio lá me assustou muito. Há quinze anos não fazia tanto frio como naquele ano. Tinha passe livre e saí. Fiquei no Rio, cheguei a treinar no Botafogo e depois o Zezé me indicou para o Bétis, de Sevilha, em 1957. Assinei contrato por três anos, mas fiquei só um ano. Deu aquela saudade de brasileiro bobo iniciante e resolvi voltar.
Minha estreia seria contra o Real Madri onde jogavam Puskas, Di Stéfano, Czibor. Na semana do jogo puxei demais no treino, senti a coxa e não joguei. No ano seguinte, fui emprestado ao Sabadell, de Barcelona.
Quando retornei ao Brasil, pensei em continuar jogando. Fui treinar no Botafogo, mas não gostei do ambiente. Para ser franco, no Rio, só o Fluminense que eu gostava. Eu era o jogador torcedor. Engraçado quando eu vim de Campos para o Rio, devido às cores do Americano eu torcia pelo Botafogo. Porém, no Fluminense, o ambiente era tão bom que eu me entreguei ao clube. Na minha época tínhamos amor ao clube. Havia identidade”.
O jovem Emilson, aos 18 anos, procurou se espelhar num grande craque que era seu ídolo. Ele nos fala também sobre seus adversários e técnicos com os quais trabalhou:
“Na minha posição meu ídolo era o Danilo. Eu era um jogador técnico e o Danilo jogava com uma técnica extraordinária. A bola podia vir da maior altura que ele colocava o pé lá em cima e trazia para o chão. Quando estive na seleção juvenil, no Chile, alguns disseram que surgia um novo Danilo.
Joguei só uma vez contra o Garrincha. Quando fui escalado pelo Zezé pensei em levar um baile, porque na marcação por zona, o ponta adversário dominava a bola. E o Garrincha pegando a bola livre entortava qualquer um. Pois bem, começou o jogo e na primeira bola disse para mim mesmo, vou para o sacrifício. Quando me aproximei ele pimba cruzou para o outro lado. Repetiu a mesma coisa, não partindo para cima da minha marcação. Eu tinha bastante intimidade com ele e terminado o jogo perguntei: por que você hoje não partiu para cima? Ele me respondeu: “Eu faço o que o treinador manda”.
O técnico era o Gentil Cardoso e eu perguntei o que ele mandou fazer. Garrincha falou: “Pega e muda o jogo”. Com isso, o Gentil queria que nosso meio campo cansasse para depois o Garrincha partir para cima da marcação. Não cansamos e não adiantou nada. Ganhamos o jogo, se não me engano, por 2 a 0.
Nos aspirantes, o adversário que me dava mais trabalho era o Paulinho, ponta direita do Flamengo. Ele era rápido e driblava muito. Antes dessa partida contra o Garrincha, o Paulinho me deu um olé danado. Outros que me deram muito trabalho foram Índio, do juvenil do Flamengo, e Evaristo, quando jogava no juvenil do Madureira.
Uma vez, antes de o Evaristo ir para Espanha, eu o levei para conversar com o José de Almeida. Como o Evaristo tinha passe livre, o Fluminense quis ficar com o passe e o Evaristo não aceitou. O pai era muito vivo e ele também não era bobo. Aí, depois ele saiu do Flamengo e foi para o Barcelona.
Cito três técnicos com os quais trabalhei. Dois por pouco tempo, Ondino Viera e no juvenil Oto Vieira. Agora, Zezé foi o grande professor. Ele era duro, mas leal. Exigia do jogador e você confiava nele. Eu e Telê nos espelhamos nele”.
Em 1969, quando concluiu o Curso de Educação Física e de Técnico de Futebol, na Escola Nacional de Educação Física – UFRJ, Emilson assumiu o comando técnico do São Cristóvão de Futebol e Regatas. No ano seguinte, retornou ao Fluminense para ser técnico da equipe de aspirantes e, posteriormente, assumir a Coordenação de Futebol, cargo que ocupou até 1974.
Dirigiu o Rio Negro, de Manaus (1975), o Americano, de Campos (!976), o Avaí, de Santa Catarina (1977 e 1984), o Juventude, de Caxias do Sul (1977/78) e esteve no Al Ahli Sporting Club, de Jedah, em 1979. No mesmo ano, Emilson foi Supervisor Técnico de Futebol do Vasco e em 80 exerceu a mesma função no Fluminense.
A grande amizade com Telê o levou à Copa do Mundo de 1986, no México, como auxiliar técnico. Alguns fatos marcaram essa fase da vida profissional de Emilson:
“Com o fim dos aspirantes, em 69, passei para Coordenador de Futebol sob a supervisão do Almir de Almeida. Ele foi o melhor supervisor que teve no Brasil. Não teve igual a ele nem vai ter. Aprendi muito com ele.
Trabalhei também com o José de Almeida. Como administrador era único. Ele passava o dia inteiro no clube. Às vezes eu dava carona a ele para ir a casa almoçar, mas voltava logo. Zé de Almeida era um homem honesto, trabalhador, simples. Profundo conhecedor do que fazia. Sabia tudo sobre leis. O Zé era um homem completo.
Hoje, eu sinto que consegui tudo aquilo que eu queria. Não fui aquele titular absoluto por questões de oportunidades. A bola que eu jogava, gostava dela. Joguei no time que eu gostava e gosto até hoje. Quando a gente se afasta do futebol pensa que não vai sentir saudade, mas sente. Todos que trabalharam com o futebol, gostariam de estar sempre trabalhando com o futebol.
Estou com 74 anos (2007), a cabeça boa e me sinto em condições, se fosse chamado, a colaborar com o futebol”.
Sobre a divisão existente no futebol do Fluminense entre Laranjeiras e Xerém, Emilson dá a sua opinião:
“Estão fazendo uma grande burrice. Criam dois clubes, um lá em Xerém, em Deus me livre, e o outro nas Laranjeiras. Raramente se encontram os profissionais com os amadores. Antigamente todos nós trabalhávamos juntos nas Laranjeiras. Os juvenis assistiam os treinos dos profissionais. Almoçávamos e jantávamos na sede. Os juvenis já iam pegando amizade com o pessoal de cima. Hoje se cria uma rivalidade.
O Zezé Moreira, por exemplo, ficava no clube até tarde para assistir o treino dos juvenis. Quando precisava de um jogador, não precisava nem perguntar ao técnico de baixo. Era interesse dele. Por isso ele ficou quatro anos no Fluminense. Ele tinha pleno domínio da situação.
Hoje, os treinadores passam e nem vão a Xerém para ver treino, ver nada. É um erro, como foi um erro acabar com os aspirantes. Agora, você forma o jogador até os 20 anos e depois solta para outros lugares. O clube gastou tanto dinheiro com aquele garoto para jogar fora depois. Tem outra coisa, muita gente que trabalha com essas categorias é conivente com empresários. Formam-se as curiolas, um indica o outro e tira quem não é do esquema. Fizeram isso lá no Fluminense. Assim eu soube”.
Emilson, segundo a partir da direita, com a delegação brasileira campeão sul americana em 1948.
Batatais, Emilson e Duarte bicampeões cariocas de aspirantes em 1951.
Equipe do Fluminense tricampeã carioca de aspirantes: em pé, Getúlio, Nestor, Adalberto, Emilson e Bimba; agachados, Vilalobos, Ivo, Batatais, Joel, Ceninho e Larry.
Emilson num dia treino no campo do Fluminense e 1954
Quando deixou o Fluminense, Emilson se transferiu para o Internacional. Ele forma a ala esquerda com Chinezinho.
Emilson foi o auxiliar técnico de Duque no campeonato estadual de 1973 quando o Fluminense foi campeão
Emilson na equipe principal do Fluminense: em pé, Píndaro, Jair Santana, Emilson, Veludo, Pinheiro e Bigode; Telê, Didi, Ceninho, Orlando e Quincas
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