Brasil, Copas e Craques
Daqui a um ano o mundo assistirá a abertura do 21º Campeonato Mundial de
Futebol, o qual será realizado na Rússia. Já estão classificados a Rússia, país
sede e o Brasil, único a participar de todas as edições da Copa do Mundo.
Iniciamos a série “Brasil, Copas e Craques” que mostrará a participção da
seleção brasileira nos mundiais e os craques que se destacaram em cada edição.
Na
primeira Copa, uma vitória e uma derrota – I -
O futebol brasileiro é o
único que participou de todos os campeonatos mundiais. Nas duas primeiras Copas
realizadas no Uruguai, em 1930, e na Itália, em 1934, as divergências entre os
dirigentes cariocas e paulistas impediram que a seleção brasileira se
apresentasse com a sua força máxima.
A Associação Paulista de
Esportes Atléticos (APEA) reivindicou a inclusão de um dos seus membros para
integrar a Comissão de Esportes da Confederação Brasileira de Desportos. O
forte argumento dos paulistas era o título do oitavo campeonato brasileiro de
seleções em 1929.
Frustrados com a negativa da
entidade nacional ao seu pleito, os dirigentes da APEA (Associação Paulista de
Esportes Atléticos) resolveram não ceder seus jogadores para a seleção
brasileira. Condicionava a revogação da medida se a CBD recuasse da sua
decisão. Tal fato não aconteceu e a Comissão de Esportes, encarregada de formar
o nosso selecionado, teve que contar apenas com os jogadores do Rio de Janeiro.
A imprensa paulista, como o
Correio Paulistano, se referia ao selecionado brasileiro como a “representação
carioca no mundial de futebol”.
Ao contrário, os jornais
cariocas apoiavam a nossa seleção. O Correio da Manhã noticiava: “a despeito de
tudo e ainda do desinteresse oficial, o futebol brasileiro será representado no
primeiro campeonato mundial”.
Dessa forma não pudemos
contar com craques como Friedenreich, Feitiço, Del Débbio, Petronilho, Grané e
outros. A exceção foi a presença de Araken Patuska, do Santos, que brigado com
o clube se colocou à disposição da CBD.
Alheios a politicagem dos
dirigentes cariocas e paulistas, os torcedores compareceram em grande número no
cais da Praça Mauá, no dia 2 de julho de 1930, para se despedirem da delegação
brasileira rumo ao Uruguai.
Nossa delegação chegou a
Montevidéu a bordo do navio Conte Grande, após cinco dias de viagem, contando
apenas com os jogadores cariocas do Botafogo, Fluminense e Vasco. As exceções
eram Poli, do Americano de Campos, e Araken Patuska, o único paulista.
Treze países, convidados pela
FIFA, disputaram a I Copa do Mundo: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile,
Paraguai, Peru, Uruguai, Estados Unidos, México, Bélgica, França, Iugoslávia e
Romênia.
O elenco brasileiro era
composto por: Joel (América), Veloso (Fluminense), Brilhante (Vasco), Itália
(Vasco), Zé Luiz (São Cristóvão), Benedito (Botafogo), Hermógenes (América),
Fortes (Fluminense), Luiz Luz (Peñarol); Fausto (Vasco da Gama), Fernando
(Fluminense), Benevenutto (Flamengo), Pamplona (Botafogo), Oscarino (Ypiranga -
Niterói), Martim (Botafogo), Ivan (Fluminense); Araken (Santos), Doca (São
Cristóvão), Carvalho Leite (Botafogo), Moderato (Flamengo), Manoelsinho (Canto
do Rio), Nilo (Botafogo), Preguinho (Fluminense), Poli (Americano - Campos),
Teófilo (São Cristóvão) e Russinho (Vasco).
Henrique
Coelho Neto, o Preguinho, sentiu
grande emoção ao carregar a bandeira brasileira no desfile de abertura da Copa:
“Quando
entrei no estádio, carregando a nossa bandeira na abertura da Copa de 1930, o
estádio todo ficou de pé e aplaudiu. Lembro-me bem. Nós entramos logo depois da
delegação dos Estados Unidos. O Zé Luís chorava e berrava: “Peito erguido,
peito erguido!”. Nós todos chorávamos de emoção”.
Preguinho
comentou sobre sua convocação e falou das dificuldades enfrentadas pela nossa
delegação:
“Iniciamos
o treinamento, no Rio, com dois escretes cariocas. Eu fazia parte do B. Depois
veio o treinamento em São Paulo. Para este treino, nem fui convocado. No
seguinte, aconteceu à mesma coisa. Não me chamaram, mas o Del Débbio, zagueiro,
protestou e acabaram me convocando.
O
técnico no começo era o Vinhais. Depois, não houve mais nenhum. Eu estava em
boa forma, mas precisaria competir com Feitiço e outros do mesmo gabarito,
quando estourou a bomba: São Paulo não cederia seus jogadores. Para completar,
no último treino, o Carvalho Leite, nosso center-forward quebrou a mão.
Viajamos
assim mesmo, sem cozinheiro, levando o nosso próprio feijão e ficando hospedados
no centro da cidade, no Hotel Colon, enquanto os outros ficavam em concentração
fora da zona urbana. Éramos 27 pessoas e um grande chefe, o Ministro Afrânio
Costa.
O
primeiro jogo foi contra a Iugoslávia. Fazia um frio danado. Seis graus abaixo
de zero era uma temperatura que nem os próprios uruguaios se lembravam de ter
sentido.
Dominamos
o jogo inteiro, mas eles em duas escapadas fizeram dois gols. Quando ainda
faltavam trinta minutos para acabar o jogo eu descontei. Mas aí o goleiro pegou
tudo, a bola foi várias vezes na trave e perdemos mesmo de 2 a 1.
No
jogo com a Bolívia mudaram tudo. Ganhamos de 4 a 0. Fiz dois gols. A nossa ala
esquerda marcou nossos cinco gols na Copa”. (Declarações a Revista Fatos e
Fotos – edição especial de 11 de junho de 1970).
O Brasil ficou no grupo II
com a Bolívia e a Iugoslávia. A seleção brasileira estreou contra a Iugoslávia,
em 14 de julho, no Estádio Parque Central de Montevidéu. Na derrota por 2 a 1,
Tirnanic e Beck marcaram os gols iugoslavos e Preguinho fez o gol brasileiro. O
atacante do Fluminense entrou para a história como o autor do primeiro gol
brasileiro em Copas do Mundo.
Nosso técnico Gilberto de
Almeida Rego colocou em campo: Joel (América), Brilhante e Itália (ambos do
Vasco); Hermógenes (América), Fausto (Vasco) e Fernando (Fluminense); Poli
(Americano), Nilo (Botafogo), Araken (Santos), Preguinho (Fluminense) e Teófilo
(São Cristóvão).
Em 20 de julho, no Estádio
Centenário, o Brasil venceu a Bolívia por 4 a 0. A equipe brasileira sofreu
seis alterações: Veloso (Fluminense) entrou no lugar de Joel; na zaga Zé Luiz
(São Cristóvão) substituiu Brilhante; e no ataque saíram Poli, Nilo, Araken e
Teófilo e entraram Benedito (Botafogo), Russinho (Vasco), Carvalho Leite
(Botafogo) e Moderato (Flamengo). Os gols brasileiros foram assinalados por
Preguinho (2) e Moderato (2).
O resultado diante dos
bolivianos não foi suficiente para classificar os brasileiros, porque a
Iugoslávia, vencedora do Brasil, derrotou a Bolívia também pelo marcador de 4 a
0.
Na partida final da Copa de
1930, a seleção uruguaia, bicampeã olímpica, ganhou da Argentina por 4 a 2,
sagrando-se campeã mundial.
O grande nome da seleção
brasileira foi um maranhense de Codó. Fausto dos Santos disputou a Copa do
Mundo de 1930 com 25 anos e suas excepcionais atuações impressionaram os
uruguaios que o chamaram de “A Maravilha Negra”.
Sua carreira começou no
Bangu. Após se transferir para o Vasco conquistou os títulos cariocas de 1929 e
1934. No exterior, Fausto defendeu o Nacional, de Montevidéu, o Barcelona e o
Young Fellows, da Suíça.
Numa entrevista ao jornal A
Noite, referindo-se a derrota do Brasil por 2 a 1 frente à Iugoslávia, Fausto
desabafou:
“Araken jogou como uma
bailarina; Poli tinha medo da própria sombra; Nilo fugia da bola e Teófilo nem
se aproximava dela”.
Na
edição número 2 da Revista 10 - julho de 2004, Carvalho Leite, aos 92 anos,
centroavante do Botafogo, que substituiu Araken contra a Bolívia, em entrevista
a Cristina Rigitano, lembrou alguns fatos sobre o mundial no Uruguai:
“Nós viajamos a bordo de um
navio. Fazia muito frio. Saímos sem festa. O futebol não era o que é hoje. A
viagem foi muito cansativa.
Por conta do vento gelado, os
jogadores passaram a viagem inteira, enclausurados nos camarotes do navio sem
poder se exercitar o que comprometeu muito o desempenho dos brasileiros no
mundial.
Fomos prejudicados pela
viagem. Em outras condições, teríamos jogado muito mais. Preguinho era do
Fluminense e jogava muito. Ele dava muito trabalho”.
Carlos Dobbert de Carvalho
Leite nasceu em Petrópolis e começou a jogar futebol no Petropolitano. Veio
para o Rio e tentou o Fluminense, porém não foi aprovado por Luís Vinhais,
técnico tricolor.
No Botafogo, Carvalho Leite
conquistou os títulos cariocas de 32 a 35. O atacante alvinegro liderou a
artilharia nos campeonatos de 36 (16 gols), 38 (16 gols) e 39 (22 gols).
Em 1934, emprestado ao Vasco
para uma excursão à Europa, viveu um dos momentos inesquecíveis de sua vida. Na
Espanha, marcou um belo gol no espanhol Zamora, considerado o melhor goleiro do
mundo.
Convocado para os
preparativos com vista a Copa de 38, Carvalho Leite treinou apenas quinze
minutos e foi cortado por Ademar Pimenta. Segundo ele, a atitude de Pimenta era
resultado de rixa antigo
Fausto descansa durante um treino da seleção brasileira
Carvalho Leite quando integrou à seleção brasileira na Copa do Mundo de 1930
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