segunda-feira, 28 de maio de 2018




                         Em 54, o Brasil caiu na “Batalha de Berna”
                                                                                                             José Rezende
            Na fase eliminatória para a Copa do Mundo de 1954, na Suíça, os nossos adversários foram o Chile (2 a 0 e 1 a 0) e o Paraguai (1 a 0 e 4 a 1). A seleção brasileira, dirigida por Zezé Moreira, era tecnicamente excelente. Castilho, Djalma Santos, Nilton Santos, Bauer, Julinho, Didi sempre foram considerados craques excepcionais.

            Depois de vencer o México, na estréia, por 5 a 0, o Brasil empatou com a Iugoslávia por 1 a 1, classificando-se as duas seleções para as quartas de final. Nossos jogadores ignoravam o regulamento e buscavam a vitória, sem entender a gesticulação dos iugoslavos, sinalizando que o resultado classificava os dois. 

O sorteio apontou a Hungria de Puskas como o próximo adversário brasileiro. A partida ficou conhecida como a “Batalha de Berna”.

            No dia 27 de junho de 1954, cerca de 40 mil expectadores estavam presentes no Estádio de Wandorf, em Berna, para assistir a tão esperada partida entre Brasil e Hungria, sob a arbitragem do inglês Arthur Ellis.

            A seleção húngara, sem Puskas, sua maior estrela, partiu para o ataque, como fez em outros jogos, e com sete minutos de jogo já vencia por 2 a 0. Djalma Santos diminuiu a diferença, batendo pênalti, mas os comandados de Gyula Mandi fizeram mais dois gols. Julinho marcou o 2º gol brasileiro e o jogo terminou com o resultado de 4 a 2.

            João Carlos Batista Pinheiro, destacado zagueiro da seleção brasileira, relatou alguns fatos sobre a participação do Brasil na Copa de 54:

             “Nossa desorganização influiu. Chegamos à Suíça e encontramos a dificuldade de campo para treinar. A Hungria já estava lá há uns vinte dias. Outro problema foi não termos preparador físico. O material era pouco e havia dificuldade para substituir um par de chuteiras. Esses erros serviram para que em 58 a realidade fosse outra
Aquele time de 54 não devia nada para ninguém. Bauer e Brandãozinho sabiam jogar. Didi no meio campo. Julinho e Rodrigues nas pontas.

Contra a Hungria ficamos surpresos logo antes da partida. Enquanto nós estávamos no vestiário fazendo 1, 2, 3..., eles realizavam dois toques como pelada. Nunca tínhamos visto aquilo. Aí, o Didi, muito inteligente disse: “eles vão arrebentar com a gente logo ou vão cansar”. O que o Didi falou aconteceu. Ia correr, dar um drible, caía por causa da trava da chuteira. Eles além de terem feito o reconhecimento do campo, jogavam com dez travas de borracha e nós com seis. Com sete minutos fizeram 2 a 0. A partir daí começamos a reagir. Diminuímos para 2 a 1. Veio o 2o tempo e eles marcaram o 3o gol aos 16 minutos. Nós fizemos 3 a 2 aos 21. Aí, o jogo virou bagunça, porque o juiz começou a apelar. Expulsou o Nilton Santos e depois o Humberto. Exatamente, quando o Brasil estava crescendo.

No lance do pênalti, subi com o Kocsis, num lance em que se houve falta, poderia ter sido a nosso favor. Tanto que os húngaros se retiraram, julgando ser uma falta sem menor importância, quando surpreendentemente o árbitro apontou para marcar do pênalti.

No último gol, o Kocsis estava fora de campo, bebendo água. Houve o lançamento, eu parei, ele entrou em impedimento, correu e marcou o 4o gol.

Na saída, o Bauer discutiu com a polícia. Ele pensou que o policial fosse puxar uma arma quando se aproximavam os jogadores da Hungria rumo ao vestiário, cujo túnel era comum aos dois times. Nesse instante, formou-se a confusão. Eu paguei o pato. Levei uma garrafada na cabeça. As marcas estão aqui até hoje”.











F 01 – Seleção brasileira antes da partida diante da Hungria: a partir da esquerda, Índio, Didi, Humberto, Maurinho, Djalma Santos, Brandãozinho, Nilton Santos, Pinheiro, Julinho, Castilho, Bauer e Mário Américo (massagista).

F 02 – Mister Ellis entre os capitães Bauer, do Brasil, e Bosik, da Hungria.

F 03 – Nilton Santos e Bosik saem expulsos por Mister Ellis.

F 04 - Zezé Moreira a caminho do vestiário brasileiro atira a chuteira que atingiu a cabeça do Ministro dos Esportes da Hungria.

F 05 – O companheiro Paulo Pranet Buarque, jornalista de São Paulo, revoltado com a arbitragem invade o campo e entra em luta com um policial.

F 06 – Bauer e Pinheiro se envolvem na briga após a partida.

F 07 – Pinheiro, atingido na cabeça, descansa no vestiário.




quinta-feira, 24 de maio de 2018

A derrota do já ganhou III




                                          A derrota do já ganhou – III
                                                                                                             José Rezende
O gol que o tempo não apagou

             Barbosa, maior goleiro brasileiro no final dos anos 40 e na década de 50 e titular absoluto da seleção brasileira por muitos anos ficou marcado pelo gol de Gighia que decretou a derrota do Brasil na Copa de 50:

             “As jogadas uruguaias eram feitas explorando a velocidade do Gighia, para ele ir à linha de fundo e jogar para trás. No primeiro tempo, eu cortei umas duas bolas. Outra ele centrou mais para trás e o Miguez acertou a bola na trave. Eu estava chamando a atenção dos meus homens de área, que tinham que olhar aquilo, porque eu não podia estar saindo além da marca do pênalti. Chega o segundo tempo e continuam fazendo a mesma coisa. Tanto que na hora que saiu o primeiro gol, eu chamei a atenção que eles só têm essa jogada. Se matar essa jogada acabou. Não tem mais nada. Exatamente no lance do gol, ele veio e eu mais do que nunca estava olhando para ele e se o Schiafino ou Miguez estavam na área. E, realmente, os dois vinham. Nessa ele me pegou no contrapé. Ele mesmo diz que chutou, porque o Bigode vinha correndo e ficou com medo de ser alcançado. Gighia mais se livrou da bola e deu sorte.”

Bigode outro eterno culpado

             Bigode num dos poucos momentos em que falou sobre o jogo Brasil e Uruguai, relembrou o pior dia da sua vida:
“Jogaram em mim toda a culpa do fracasso da seleção brasileira na Copa do Mundo. Mas deixaram de lado a responsabilidade de muitos que não eram jogadores e que foram responsáveis pelo clima de intranquilidade que vivemos às vésperas e no dia da decisão contra o Uruguai. De lá prá cá, fiquei marcado e até quem nunca fora ao Maracanã me acusava. Um dia, quando jantava em um restaurante, ouvi, na mesa do lado, uma mulher comentar: “Nunca fui a uma partida de futebol, mas o culpado pela derrota do Brasil foi o tal do Bigode”.
Mestre Ziza e suas explicações
“São coisas que acontecem no futebol. Eu acredito se nós tivéssemos jogado uma segunda partida contra o Uruguai não teria acontecido a mesma coisa. O mesmo aconteceu com a Hungria, em 54, que era uma máquina.
Vocês, também, tiveram um pouco de culpa, porque foram montadas fotografias, com faixas do Brasil campeão do mundo. Na véspera do jogo nós passamos o dia todo assinando milhares de fotografias, sem termos um minuto de descanso. Houve desconcentração para uma partida de futebol, em São Januário. Ninguém teve mais tempo para nada. Aquela multidão lá dentro...
O Vasco não teve culpa de nada. A culpa foi de quem nos levou para lá. Num momento, eu comentei com o Rui, parece que nós já ganhamos o título. Vamos ter um adversário difícil. Não é contra uma seleção da Europa, é contra o Uruguai. Os uruguaios conhecem demais a gente.
No dia do jogo, nós fomos até retirados da sala de refeição, que acho ser uma hora sagrada para o jogador. Era uma época política e São Januário virou a sede nacional da política brasileira. Tiraram a gente da mesa para ouvir discurso do senhor Cristiano Machado e da comitiva dele, composta por senadores e deputados federais. Quando voltamos a sentar à mesa, tivemos que levantar novamente, porque chegou o Ademar de Barros, com sua comitiva. Quer dizer, o jogo já não tinha mais valor algum. A coisa se tornou uma festa, em São Januário, antes da partida. Se tivéssemos continuado em São Conrado, seria concentração mesmo. Naquela época, pouca gente tinha automóvel. A Barra da Tijuca era um lugar deserto, onde os caras tomavam banhos nus na praia. Só tinha que ter medo dos aviões que davam rasantes em cima dos caras. Era uma Barra livre, mas difícil de chegar.        
Eu tive medo da partida, quando terminou o primeiro tempo, porque nós até podíamos ter goleado os uruguaios. Quando a gente passa um tempo dominando uma partida e o gol não sai, a gente sempre se assusta um pouco. Quando o gol do Friaça saiu, nós já não estávamos bem como no primeiro tempo. A partir dali não sei, houve um gelo no time, uma coisa incompreensível. Não vou responsabilizar ninguém, porque isso foi geral, embora tenham jogadores, ainda hoje, que foram responsabilizados demais. É o caso do Bigode, que até hoje sente na carne. Bigode é um sujeito, que vai a poucos lugares. Uma das poucas casas que ele frequenta é a minha e a do Ademir, porque ele sabe que lá em casa eu não vou deixar falar de futebol com ele, a não ser que ele queira. Mas, se houver uma conversa que não está agradando, eu corto. Não existe nenhum culpado numa equipe de futebol. Quem ganha são os onze, quem perde são os onze”.

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F 01 – Barbosa tira a bola do fundo da rede após o gol que deu o título ao Uruguai
F 02 – No lance do gol de Ghiggia, Bigode aparece com a mão direita na cabeça
F 03 – Para muitos o Brasil já era campeão como prova o permanente do cinema Cineac Trianon destinado ao Mestre Ziza





                                                   A derrota do já ganhou - II


A ausência da Argentina possibilitou a classificação automática da Bolívia e do Chile. Equador e Peru, solidários aos argentinos, deixaram o caminho livre para o Uruguai. Alguns países europeus e asiáticos (Escócia, França, Turquia) também desistiram, reduzindo para treze o número de participantes.
Assim, os grupos formados não tiveram o mesmo número de seleções: grupo I – Brasil, Iugoslávia, México e Suíça; grupo II – Inglaterra, Chile, Espanha e Estados Unidos; grupo III – Itália, Paraguai e Suécia; e grupo IV – Uruguai e Bolívia.
O primeiro colocado de cada grupo se classificou para o quadrangular decisivo, no qual os participantes se enfrentaram, valendo os pontos corridos.
Na primeira fase, os adversários do Brasil foram o México, a Suíça e a Iugoslávia. No dia 24 de junho de 1950, o Maracanã recebeu 81 649 expectadores que assistiram a estréia do Brasil contra o México. Vencemos por 4 a 0 com gols de Ademir (2), Jair e Baltazar.
Enfrentamos os mexicanos com Barbosa, Augusto e Juvenal, Eli, Danilo e Bigode; Maneca, Ademir, Baltazar, Jair e Friaça.
Os torcedores paulistas assistiram a segunda apresentação da seleção brasileira. No dia 28 de junho, o Brasil jogou contra a Suíça, no Pacaembu. Flávio Costa escalou Rui e Noronha, respectivamente, nos lugares de Eli e Bigode, colocando em campo a intermediária do São Paulo. No ataque, saiu Jair entrando Alfredo na ponta-direita com Maneca sendo deslocado para a meia-esquerda.
Alfredo abriu o placar aos 3 minutos, Fatton empatou aos 17 e Baltazar fez o nosso segundo gol aos 32. Faltavam dois minutos para terminar o jogo e Fatton novamente balançou a rede de Barbosa.
O Brasil jogou com Barbosa, Augusto e Juvenal; Rui, Bauer e Noronha; Alfredo, Ademir, Baltazar, Maneca e Friaça.
O time não rendeu o esperado e o empate de 2 a 2 trouxe certa preocupação, porque com as duas vitórias da Iugoslávia (Suíça 3 a 0 e México 4 a 1), ficamos com a obrigação de vencê-la no jogo seguinte, para garantirmos nossa participação no quadrangular final.
Na decisiva partida diante da Iugoslávia, Flávio Costa apelou para Zizinho jogar, mesmo sem condições físicas ideais. Danilo, Bigode e Jair voltaram à equipe e Chico ocupou a ponta-esquerda.
Brasil e Iugoslávia realizaram o melhor jogo da Copa. Jogamos muito bem e vencemos o excelente time iugoslavo por 2 a 0, gols de Ademir, aos 4 minutos, e Zizinho aos 24’ do 2o tempo.
A equipe que conseguiu a classificação atuou com: Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Maneca, Zizinho, Ademir, Jair e Chico.
Suécia, Espanha e Uruguai se classificaram nos demais grupos. Os uruguaios, na sua chave, devido à desistência de outros países, enfrentaram apenas a Bolívia. Os bolivianos foram goleados por 8 a 0, no Estádio Independência, em Belo Horizonte.
O regulamento estabelecia que a fase final da Copa fosse disputada pelas seleções classificadas em um quadrangular. Flávio Costa escolheu a ordem dos jogos do Brasil: Suécia, Espanha e Uruguai.
Na reunião com a imprensa esportiva para explicar o critério da escolha, o querido e saudoso Jornalista e Locutor Esportivo Luiz Mendes, posteriormente, o “Comentarista da Palavra Fácil”, alertou o técnico:
“Eu analisava a coisa com isenção. Era o mais jovem dos locutores esportivos nessa ocasião. A CBD, presidida pelo Dr. Mário Polo, que substituía o titular Dr Rivadávia Correia que estava doente, nos reuniu com o Flávio Costa, técnico da seleção, para explicar sobre o quadrangular final.
O Flávio havia escolhido a ordem dos jogos: o primeiro contra a Suécia; o segundo contra a Espanha; e o terceiro contra o Uruguai. Éramos uns vinte cronistas na CBD e o Dr. Mário Polo perguntou se alguém tinha alguma contestação a fazer. Eu, então, levantei o braço e disse que seria melhor colocar o Uruguai como primeiro adversário, porque os uruguaios numa decisão são perigosos pelo espírito deles.
“Isso é gauchada sua”, disse o Fernando Bruce, um dos cronistas, que era do “Jornal da Noite” e do “O Jornal”. Eu respondi que não era gauchada e sim porque morei muitos anos no Rio Grande do Sul e sabia como eram os times uruguaios, que jogavam frequentemente no Rio Grande. Acrescentei, lembrando que há um mês disputamos a Copa Rio Branco com eles, perdendo em São Paulo por 4 a 3 e vencendo no Rio de Janeiro pela diferença apenas de um gol: 3 a 2 e 1 a 0. Acharam que eu não tinha razão. Eu não achava que eram favas contadas, como se diz.”
Arrasamos a Suécia e a Espanha. No dia 9 de julho, os suecos foram goleados por 7 a 1 perante 138 886 pagantes. Ademir abriu a contagem aos 17’, fez o segundo aos 36’ e marcou o terceiro aos 39 minutos; no segundo tempo, Ademir fez mais dois, aos 7’ e aos 13’; o sueco Andersson assinalou de pênalti aos 22’, Maneca foi o autor do sexto gol aos 40’; e Chico encerrou o marcador aos 43 minutos.
Quatro dias depois, arrasamos os espanhóis por 6 a 1 perante 152 772 torcedores, cantando Touradas de Madri do grande compositor Braguinha. Fizemos 3 a 0 no primeiro tempo: Ademir aos 15’, Jair aos 21’ e Chico aos 31 minutos. Chico fez o quarto gol aos 10 minutos do segundo tempo, Ademir dois minutos depois marcou o quinto e Zizinho assinalou o sexto gol brasileiro aos 22 minutos. O gol de honra espanhol foi marcado por Igoa aos 26’.
A única mudança na equipe em relação ao jogo anterior diante dos suecos foi a saída de Maneca, por contusão, substituído por Friaça.
Luiz Mendes nos falou sobre outros motivos que o faziam sentir as dificuldades a serem enfrentadas contra o Uruguai:
“Eu era amigo do Ondino Viera, que foi o maior técnico por aí. Melhor do que Flávio Costa, Zezé Moreira e outros. Ondino era uruguaio, estava no Bangu e tinha sido campeão no Vasco, no Fluminense. Só não foi no Botafogo, porque tinha o Heleno de Freitas. Foi ele que aconselhou o Botafogo a vender o Heleno, se não nunca seria campeão. Vendeu e no mesmo ano foi campeão.
Ondino estava ligado aos patrícios dele. Ele morava perto do Hotel Paysandu, onde estava concentrada a seleção uruguaia. Ele ia lá, conversava, instruía, porque conhecia todos os jogadores da seleção brasileira e quase todos haviam jogado com ele. No Fluminense, Bigode havia jogado com ele; tinha sido técnico do Vasco com Jair, Ademir, Augusto, Chico, todo mundo. Eu tinha medo do Uruguai, por causa dele.
Os jornais saíram no dia do jogo com a manchete: “Brasil campeão do mundo”. Eu tinha esse jornal aqui em casa, mas me roubaram. A Noite Ilustrada com o time brasileiro em fila indiana com o título: “Brasil campeão do mundo”.
Parte dos 173 850 expectadores, consta que foram 200 000, começou a chegar ao Maracanã antes do meio-dia daquela tarde de 16 de julho de 1950. Ninguém admitia a derrota. Todos tinham a certeza de que o Brasil estava a poucas horas de se sagrar campeão mundial.
O primeiro tempo terminou empatado de 0 a 0. Aos sete minutos da etapa final a torcida brasileira vibrou com o gol de Friaça: Brasil 1 a 0. O título estava bem mais próximo, já que o empate seria suficiente.
Luiz Mendes narrou a partida pela Rádio Globo e nos contou o andamento do jogo após o gol brasileiro:
“No jogo, para surpresa geral o Uruguai empata. Nós éramos campeões com o empate e não nos afobamos. Mas, a sete minutos do fim, o Uruguai faz o gol da vitória. O lance era repetido. O primeiro gol uruguaio foi praticamente o vídeo tape do segundo. Só que o segundo eliminou o centro para trás com Schiafino entrando e tocando para dentro.
 No segundo, a jogada se repetiu. O Bigode foi batido, o Gighia chegou ao mesmo lugar, levantou a cabeça e o Barbosa, que estava junto à trave fechando o ângulo, pensou que ele fosse repetir a jogada anterior. Deu um passo para a direita e nesse momento Gighia deu o chute meio de bico e a bola entrou entre a perna esquerda do Barbosa, que estava indo para a direita, e o poste.
Eu descrevi o lance normalmente, como todos os locutores esportivos e disse: “Gol do Uruguai”. Aí senti que o Brasil estava perdendo a Copa do Mundo e me perguntei: “Gol do Uruguai?” E, respondi: “Gol do Uruguai, senhores. Gol do Uruguai”.
Foram nove inflexões diferentes, como comprova a gravação que foi posta no programa “Na grande área”, do Armando Nogueira. Quem tinha essa gravação era o Gerson Sabino, cronista esportivo mineiro, que possuía uma coleção maravilhosa de vídeos e áudios sobre transmissões esportivas. O Sabino compareceu a todas as Copas do Mundo, menos a de 98, porque faleceu antes. Eu tenho essa gravação porque o Armando Nogueira me mandou.
Eu gritei o gol normalmente. Mas diante daquele silêncio impressionante, senti que estávamos perdendo a Copa Mundo.  Foi quando eu me perguntei: “Gol do Uruguai? Gol do Uruguai, senhores. Gol do Uruguai... Vejam só. Gol do Uruguai... E, assim, eu fui até a nona inflexão diferente. A decepção em cada uma delas retratada.
O estádio ficou num silêncio mortal, uma coisa impressionante. Dava-se para ouvir a vibração do Obdúlio Varela, dos jogadores uruguaios festejando o título no centro do campo. Depois numa crônica que escrevi sobre esse fato eu coloquei: foi a única vez em que se pode ouvir o silêncio.
No Rio de Janeiro, dois, três dias depois a gente andava na Avenida Rio Branco e só se ouvia as buzinas, os motores dos lotações, dos carros, dos bondes que circulavam na Galeria Cruzeiro, onde hoje é o edifício Avenida Central. Vozes humanas você não ouvia, todo mundo andava em silêncio.
Eu não culpo o Barbosa, nem o Juvenal, nem o Bigode. O Uruguai foi melhor e ganhou. O Zizinho diz isso, acrescentando que eles tinham um grande time.”
Os gols uruguaios foram marcados por Schiafino aos 21 minutos e Gighia fez o do título aos 34. O Brasil enfrentou o Uruguai com: Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico.
O Uruguai no quadrangular final empatou com a Espanha de 2 a 2 e venceu a Suécia por 3 a 2.


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F 01 - Ademir abre a contagem contra o México na estréia do Brasil na Copa de 1950.
F 02 - Baltazar ampliou o marcador para 3 a 0.
F 03 - Ademir abre o placar diante dos iugoslavos.
F04 - O ataque brasileiro perdeu boas oportunidades e em alguns momentos Flávio Costa demonstrou preocupação ao lado do Dr. Paes Barreto. O Brasil vencia por 1 a 0.
F05 - Torcedores descem a rampa do Maracanã, festejando a vitória e a classificação para o quadrangular final. Brasil e Iugoslávia realizaram o melhor jogo do mundial.
F 06 - Ramallete neutraliza a investida de Chico na goleada sobre a Espanha.
F 07 - Friaça abre a contagem contra o Uruguai, aumentando a confiança da torcida brasileira na conquista do título mundial.
F 08 - Chico também perdeu boas oportunidades. Essa Máspoli defendeu.
F 09 - Danilo Alvim era a expressão da derrota brasileira.
F 10 – Mestre Ziza, eleito o melhor jogador da Copa, é consolado por Máspoli após a partida.









                A derrota do já ganhou – I -

            A Segunda Guerra Mundial, iniciada um ano e três meses após a Copa de 1938, deixou os anos quarenta sem as emoções de uma Copa do Mundo.  Jogadores extraordinários, especialmente, argentinos e brasileiros deixaram de mostrar ao mundo a arte de jogar futebol. Nessa época, as seleções argentina e brasileira e, até mesmo, a uruguaia possuíam uma fartura de craques.
A ausência da Argentina na Copa de 50 frustrou, sem dúvida, craques como Carrizo, Nestor Rossi, Labruna, Moreno, Boyé, Lostau, Mendez, Pedernera, Di Stéfano e tantos outros. 
Do lado brasileiro Zizinho, Jair Rosa Pinto, Ademir, Bauer, Danilo tiveram a chance de disputar o mundial de 50, mas poderiam ter participado dos mundiais de 42 e 46 com Leônidas, Domingos, Romeu, Tim, Heleno de Freitas, se não houvesse a guerra.
Alguns fatos são apontados no livro “Brasil x Argentina – histórias do maior clássico do futebol mundial (1908 – 2008)” escrito por Newton César de Oliveira Santos:
“A Argentina ficou de fora, alegando oficialmente que seu campeonato local estava em andamento e que sua participação seria prejudicada pelo êxodo de jogadores causado pelo “El Dourado Colombiano” (referência ao campeonato sul-americano 1949). A mesma razão foi usada também para comunicar a não participação na Copa do Mundo que seria realizada no ano seguinte, também, no Brasil.
Extra oficialmente, a ausência dos argentinos foi considerada um ato de protesto contra a Conmebol, uma vez que a AFA se sentiu traída pela entidade sul-americana ao não receber apoio para sediar o mundial de 50.
 Na verdade, o que circulou na ocasião foi que o governo Perón preferia evitar o risco de manchar a aura vencedora da seleção Argentina arriscando-se a não ganhar a Copa. Afinal de contas, seria difícil montar um selecionado do nível das equipes que haviam conquistado três campeonatos sul-americanos consecutivos, estando os principais jogadores atuando na Colômbia”.
            Em 1946, o congresso da FIFA, realizado em Luxemburgo, oficializou o Brasil como sede da IV Copa do Mundo, inicialmente marcada para 1949. As dificuldades que envolviam a organização do grande evento adiaram o mundial para o ano seguinte.
            O Brasil possuía alguns bons estádios para a época como o Couto Pereira, em Curitiba, a Ilha do Retiro, em Recife, o Independência, em Belo Horizonte, São Januário, no Rio de Janeiro e o Pacaembu, em São Paulo.
No início dos anos quarenta, a Prefeitura de São Paulo construiu o Pacaembu. A partir daí, a idéia de se construir um grande estádio ganhou força. De fato, o sonho passou a caminhar para a realidade após a escolha oficial do Brasil, em 1949, como sede da IV Copa do Mundo.
Construído o tão sonhado Estádio Municipal, orgulho da engenharia brasileira, no bairro do Maracanã, o Brasil mostrara a todos que tinha a capacidade de erguer o maior palco de futebol do mundo.
No dia 16 de junho, um mês antes do início da Copa, o Maracanã foi inaugurado com a partida entre as seleções de novos do Rio e de São Paulo. Os paulistas venceram por 3 a 1. Waldir Pereira, o Didi, entrou para a história por ser o autor do primeiro gol no novo estádio ao abrir a contagem.
No final da década de quarenta, os dois melhores times brasileiros eram o São Paulo e o Vasco da Gama. O tricolor paulista conquistara cinco campeonatos e o clube de São Januário, com o seu “Expresso da Vitória”, ganhara os títulos cariocas de 45, 47, 49 e em 48 se sagrara Campeão dos Campeões, no Chile. Nada mais lógico que Flávio Costa, técnico do Vasco, e Vicente Feola, técnico do São Paulo, fossem os escolhidos para dirigir o selecionado brasileiro.
São Paulo e Vasco formaram a base da seleção brasileira. Foram chamados os são-paulinos Rui, Bauer, Noronha e Friaça; e os vascaínos Barbosa, Augusto, Eli, Danilo, Alfredo, Maneca, Ademir e Chico. Os nove jogadores restantes eram: Castilho (Fluminense), Juvenal (Flamengo), Nena (Internacional), Nilton Santos (Botafogo), Bigode (Flamengo), Zizinho (Bangu), Baltazar (Corinthians), Adãozinho (Internacional), Jair (Palmeiras) e Rodrigues (Palmeiras).
No ano anterior à Copa do Mundo, disputamos o Campeonato Sul-americano, no Brasil, e em maio de 1950 a Copa Rio Branco com o Uruguai e a Taça Osvaldo Cruz com o Paraguai.
Ganhamos fácil o sul-americano. Aplicamos goleadas sobre o Equador (9 a 1), a Bolívia (10 a 1), a Colômbia (5 a 0), o Paraguai (7 a 0), o Peru (7 a 1), e o Uruguai (5 a 1). Esse último se apresentou com seu time reserva. Vencemos o Chile por 2 a 1, e perdemos para o Paraguai também por 2 a 1, na última rodada. Na partida extra, goleamos os guaranis por 7 a 0.
Diante dos uruguaios, na Copa Rio Branco, em 6 de maio de 1950, a seleção brasileira titular, que atuava de camisas brancas, perdeu por 4 a 3, no Pacaembu. No dia seguinte, a seleção reserva, de uniforme azul, ganhou do Paraguai por 2 a 0, em São Januário.
No dia 13 de maio, os reservas empataram com os paraguaios de 3 a 3, no Pacaembu, e os titulares, no dia 14 de maio, ganharam dos uruguaios por 3 a 2, em São Januário.
Na terceira partida diante do Uruguai, para decidir a Copa Rio Branco, vencemos por 1 a 0, no dia 17 de maio, em São Januário, gol de Ademir. A celeste olímpica disputou os jogos da Copa Rio Branco com os titulares..
O jornalista Mário Filho, grande incentivador da construção do Maracanã, por intermédio de matérias escritas no Jornal dos Sports, fez pesadas críticas sobre a atuação da seleção brasileira diante dos uruguaios, chamando a atenção para a má forma física de alguns jogadores.


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F01 - Didi recebe de Carlyle e faz o gol histórico, o primeiro marcado no Maracanã.
F02 – Gráfico dos gols na partida entre carioca e paulistas que inaugurou o Maracanã.
F03 – Cartaz alusivo à Copa do Mundo de 1950.