Há 60
anos o mundo descobriu Garrincha e Pelé
Em
1957, após perder o campeonato sul-americano, em Lima, sob o comando de Osvaldo
Brandão, o Brasil disputou as eliminatórias para a Copa do Mundo de 1958, na
Suécia.
O nosso adversário era o Peru. A primeira partida,
marcada para a capital peruana, fez com que a delegação brasileira permanecesse
em Lima. Com o empate de 1 a 1, Brasil e Peru foram decidir a classificação no
segundo jogo marcado para o Maracanã.
No dia 21 de abril de 1957, a “folha seca” de Didi
carimbou o passaporte brasileiro para a Suécia. Aos 38 minutos, Índio sofreu
falta entre a intermediária e a grande área do Peru. Didi ajeitou a bola e
bateu no canto esquerdo da meta de Asca.
Os dois fracassos do futebol brasileiro nas duas Copas
anteriores mostraram que a seleção brasileira necessitava de nova estrutura no
seu comando.
Em 1958, no início de sua
gestão, o Presidente João Havelange formou pela primeira vez uma Comissão
Técnica, como nos contou Paulo Amaral:
“Foi a primeira vez que se formou no Brasil, uma
comissão técnica para dirigir a seleção, cada um com o seu papel definido.
Vicente Feola era o treinador técnico-tático, Paulo Amaral, preparador
atlético, físico, orgânico, o Dr. Carvalhal, psicólogo, Paulo Machado de
Carvalho, chefe, Carlos Nascimento, supervisor, José de Almeida, administrador,
Dr. Hilton Gosling, médico, Mário Trigo, dentista, Mário Américo, massagista e
Francisco de Assis, roupeiro e auxiliar de massagista. Todos nós aceitamos com
muita honra e os jogadores, com espírito amadorista, aceitando todo o trabalho,
durante quase três meses.
Eu estava no México,
com o Botafogo, e recebi uma carta da minha mulher, falando sobre a criação da
comissão técnica, sem a indicação do técnico. Retornando ao Brasil, eu ainda
não tinha ordem de me apresentar à CBD. Havia uma briga entre a imprensa
carioca e a paulista, pela escolha do técnico. Os cariocas defendiam os nomes
Fleitas Solich e Flávio Costa e os paulistas queriam Osvaldo Brandão, que foi o
técnico nas eliminatórias. Quero crer que o Havelange e o Paulo de Carvalho
pensaram em não atender os que queriam outros nomes, escolhendo o Feola.”
Antes de estrear no
mundial, a seleção brasileira realizou dois amistosos na Itália, goleando a
Internazionale e a Fiorentina por 4 a 0.
Estreamos com uma bela
vitória sobre a Áustria por 3 a 0, sem Garrincha e Pelé. Na segunda partida, o
Brasil empatou com a Inglaterra de 0 a 0, com as ausências dos dois craques.
Paulo Amaral explicou
as razões que levaram Vicente Feola a não escalar Garrincha e Pelé nas duas
primeiras partidas:
“Ouço
dizer, que lá na Suécia, Didi, Nilton Santos e Gilmar foram ao Feola pedir a
escalação do Pelé. Vamos aos fatos. O ultimo jogo treino do Brasil, já com os
22 jogadores determinados para irem para a Suécia, via Itália, foi contra o
Corinthians, no Pacaembu, superlotado. Só torciam pela seleção brasileira os
jogadores e a comissão técnica. Toda a torcida paulista, creio que incluindo a
torcida do São Paulo, Palmeiras, torcia para o Corinthians, porque o Cabeção
não foi convocado, o Roberto Belangero, meio-campo corinthiano, foi cortado, o
Luizinho, o famoso “Pequeno Polegar” e o Baltazar, o “Cabecinha de Ouro” não
foram convocados e o Oreco passou a ser reserva do Nilton Santos.
O
Ari Clemente, lateral esquerdo do Corinthians, que, em 66, foi campeão estadual
no Bangu, deu uma entrada violenta no Pelé e o tirou de campo, com uma entorse
muito séria no joelho. Bem, embarcamos para a Europa e jogamos contra a
Fiorentina e a Internazionale. Pelé, em tratamento, não jogou os dois jogos.
Após o segundo jogo, o Brasil tinha que enviar a relação dos 22 jogadores entre
os 44 inscritos. Houve uma reunião da comissão técnica, comandada pelo Dr.
Paulo Machado de Carvalho para fazer a seguinte pergunta ao Dr. Hilton
Grosling: “Mandamos o Pelé de volta para o Brasil, mandando vir o Almir ou o
Pelé segue conosco?”. Aí, o Dr. Hilton respondeu: “no primeiro jogo o Pelé não
joga com certeza e no segundo, existe uma grande possibilidade de jogar”.
Então, a comissão técnica resolveu manter o Pelé. Ele não jogou contra a
Áustria e a Inglaterra. O Dida entrou contra os austríacos e machucou o tornozelo.
Como o Pelé, ainda, estava se recuperando, na partida contra a Inglaterra
entrou o Vavá ao lado do Mazzola. No terceiro jogo, contra a URSS, Pelé já
recuperado jogou.
Com relação ao
Garrincha, ele deu um baile contra a Internazionale, que acabou com a carreira
do lateral esquerdo. Eu quando fui trabalhar na Itália, fiquei sabendo, que ele
tinha sido o melhor da posição na série B. O time dele subiu para a primeira
divisão, ele foi contratado pela Internazionale e estreava naquela partida
contra o Brasil. Nos jogos do campeonato italiano, as torcidas adversárias,
quando ele pegava na bola gritavam: “Garrincha, Garrincha...”.
No dia do jogo contra
a Áustria, a comissão técnica se reuniu na parte da manhã, para ouvir o Prof.
Ernesto Santos, olheiro da CBD, que assistiu a todos os jogos das seleções
européias nas eliminatórias. Profundo conhecedor de futebol começou a falar: “O
time austríaco se eu não soubesse que era um time europeu, eu ia pensar que
fosse um time argentino. Ele jogou com a bola no chão, em triangulação, não dão
chutão para frente, quando a defesa rouba a bola, o meio campo avança com os
atacantes e defendem com toda a linha média. Os jogadores tais me chamaram a
atenção”.
O Dr. Paulo de
Carvalho perguntou a mim e ao Dr. Hilton, se os jogadores estavam aptos.
Respondemos que, apenas, o Pelé não tinha condições de jogo. Na época, já se
cometia um grande erro, dizendo para todo mundo que nós jogávamos no 4- 2- 4. O
Brasil nunca jogou no 4-2-4 com o Zagalo, que jogou sempre como terceiro homem
de meio campo, função que já cumpria no Flamengo, com o Fleitas Solich.
O Feola tomou a
palavra, dizendo que pelo que ele tinha ouvido do Prof. Ernesto, iria jogar no
4-4-2. Quando ele falou em 4-4-2, eu e o Dr. Hilton nos falamos com o olhar,
porque nós tínhamos certeza que a linha seria Mané, Didi, Mazzola e Dida como
atacantes e Zagalo fazendo o terceiro homem de meio de campo pela esquerda.
Quem seria o quarto homem pela direita, Mané? Feola confirmou o time com o
Garrincha e aí eu levantei o dedo, perguntando quem seria o quarto homem de
meio campo. Ele respondeu: “Garrincha”. Eu pedi desculpas e disse ao Feola, que
o Garrincha nem sabia o que era quarto homem de meio campo. Não há condição de
ele jogar com essa função. Lá, no Botafogo, na preleção, o Mané já chega
brincando, apelidando todo mundo. Nós sempre falamos com ele, Mané vai jogar
pingue-pongue. Quando eu era técnico do Botafogo, eu falava para o Paulinho
Valentim e o Quarentinha, que quando o Garrincha pegasse a bola, o Paulo fosse
para a pequena área e o Quarentinha ficasse fora da grande área. Fiquem
esperando o que ele vai fazer, porque o que ele vai fazer nós não sabemos.
Dr. Hilton concordou
comigo e contou um caso que aconteceu nas eliminatórias. O Brasil ia jogar
contra o Peru e o Brandão levou todo mundo para observar como jogar contra os
seus adversários diretos. No dia seguinte, reuniu os jogadores e perguntou a
cada um como tinha visto seu adversário direto. Quando perguntou ao Garrincha,
ele respondeu: “Ah, aquele louro”. Aí, todo mundo caiu na gargalhada, porque o
time peruano tinha dez jogadores negros e o louro era o meia-esquerda. O que
chamou atenção dele foi o louro, num time de negros. Garrincha não jogou contra
a Áustria, sendo escalado o Joel.
Antes do jogo contra a
Inglaterra, novamente, o Prof. Ernesto Santos fala sobre o nosso adversário,
alertando para as bolas altas na área e que o Kevan, centroavante, que era
muito alto, não iria jogar para sorte nossa, porque estava machucado. O Prof.
Ernesto mostrou-se preocupado com o lateral esquerdo, que nos jogos por ele
assistidos, colocou os pontas adversários para fora de campo, de uma maneira
que nem falta o juiz marcava. Ele é mau. Acompanha o ponta na linha de fundo,
ficando um passo atrás e com o pé direito pisa no calcanhar esquerdo do
adversário na corrida. Assim ele tirou três de campo.
Feola confirmou o
Garrincha. Aí, quem falou foi o Dr. Hilton: “Feola, você quer o Garrincha para
jogar contra a Inglaterra ou para o resto do campeonato? Pelo que disse o Prof.
Ernesto, não sabemos o que pode acontecer”. Eu fui encarregado de dar a notícia
ao Garrincha de que ele não iria jogar. Ele estava zangado, porque não jogou
contra a Áustria. Eu o chamei e disse: Mané, tem um problema desgraçado com
você. Tem um tal de “João inglês” que só dá pontapé, pisa no tornozelo, machuca
e nós não vamos escalar você para servir de carniça. Você aguenta um pouco
mais. Ele ficou chateado, falando que para não jogar, era melhor voltar para
Pau-Grande. Conversei com o Didi e o Nilton Santos e fomos falar com ele. E ele
não jogou contra a Inglaterra.”
A última partida da
primeira fase era contra a temível União das Repúblicas Socialistas Soviéticas,
campeã olímpica de 1956. Finalmente, o Brasil mostrava ao mundo os fenomenais
Garrincha e Pelé.
Vicente Feola não
aceitou mais a ausência de Garrincha, segundo Paulo Amaral:
“Antes do jogo contra
a URSS, quando o Ernesto Santos ia passar suas observações sobre a equipe
soviética, o Feola disse: “Paulo e Dr. Hilton, hoje vocês não tiram o Garrincha
de jeito nenhum”.
O esquema tático
armado pelo técnico soviético Katchalin, após minuciosas observações sobre a
seleção brasileira, foi totalmente desmantelado logo no início da partida por
Garrincha. Com 2 minutos de jogo, Mané abriu caminho pela direita e cruzou
rasteiro para Vavá marcar o 1º gol brasileiro.
Vavá assinalou o 2º
gol brasileiro aos 31 minutos do 2º tempo. O Brasil venceu por 2 a 0 e se
classificou para as quartas de final. Vavá pela sua raça ficou conhecido como o
“Leão da Copa.
O próximo adversário era o País de Gales, cujo
futebol se baseava num forte esquema defensivo. O desenrolar da partida se
resumiu entre o ataque brasileiro e a defesa galesa.
O tempo passava e as
tentativas dos nossos atacantes esbarravam no sólido setor defensivo
adversário. Finalmente, a genialidade de um garoto de 17 anos chamado Pelé
conseguiu furar o bloqueio galês.
Pelé deu um lençol em
Charles e sutilmente com o pé direito colocou a bola no canto, rente a trave, à
direita de Kelsey, no único espaço existente entre os corpos dos zagueiros
adversários.
Nas semifinais, a
seleção brasileira teve pela frente a equipe francesa, cujas principais
estrelas eram Just Fontaine, artilheiro da Copa, e Raymond Kopa.
Vavá balançou a rede
francesa aos 2 minutos e Fontaine empatou aos 9. O primeiro tempo terminou com
o marcador favorável ao Brasil com o gol de Didi aos 30 minutos. O mestre da
“folha seca” chutou da intermediária e a bola entrou no ângulo superior
esquerdo da meta de Claude Abbés.
Na fase final, Pelé
resolveu mostrar as suas qualidades de artilheiro e marcou aos 7, 19 e 30
minutos. Piantoni fez o segundo gol francês aos 38. Brasil 5 x França 2
resultado que deixou a torcida brasileira mais confiante na conquista do
título.
No inesquecível dia 29
de junho de 1958, a seleção brasileira pisou no gramado do Estádio de Rasunda,
em Estocolmo, para disputar a partida final da Copa do Mundo contra a Suécia,
dona da casa.
Os
suecos não abriram mão de jogar com seu uniforme número um, cujas camisas são
até hoje amarelas. Para Paulo Machado de Carvalho era um bom sinal, porque as
camisas azuis tinham a cor do manto de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do
Brasil. Os escudos da CBD foram costurados às pressas no nosso uniforme número
dois. A forte religiosidade do brasileiro associada a qualidade técnica dos nossos
craques resultou numa grande exibição do Brasil, culminando com a conquista do
primeiro título mundial.
A única mudança na equipe brasileira foi a entrada de
Djalma Santos no lugar de De Sordi. O incrível é que Djalma, que atuou apenas
nessa partida integrou, a seleção do mundial como o melhor lateral do mundial.
Tomamos um susto aos 3 minutos de jogo com o gol de
Liedholm. Quando Belini apanhou a bola no fundo da meta brasileira estava ao
seu lado Didi, que a recebeu do zagueiro e caminhou calmamente até o centro do
campo. Zagallo correu em sua direção reclamando da demora em dar a saída. Didi
não respondeu com palavras e sim com seu gesto. Com ele transmitiu que aquele
gol não poderia abalar a nossa seleção. Ao contrário a levaria a vitória, porque
ele tinha certeza absoluta de que nós éramos superiores.
A imediata reação brasileira mostrou que Didi estava
certo. Seis minutos depois Vavá empatou a partida e aos 32 fez Brasil 2 a 1. No
2º tempo, a o time brasileiro disparou no marcador. Pelé marcou aos 15 minutos
e Zagallo aos 23.
O marcador de 4 a 1 para uma final de Copa do Mundo era
demais. Simonsson aos 35 minutos assinalou o 2º gol da Suécia. Para encerrar,
com chave de ouro, aos 45 minutos Pelé cabeceou deslocando tal forma Swensson
que o goleiro desequilibrado se segurou na trave para não cair.
Acabávamos de apresentar ao mundo os dois maiores gênios
da história do futebol. Garrincha o verdadeiro fenômeno dos gramados e Pelé o
jogador mais completo de todos os tempos. Mas, naquele momento, as honras de
melhor jogador da Copa de 1958 ficaram com outro gênio: Waldir Pereira, o
Mestre Didi.
Foto 01 – O traiçoeiro chute de
Didi, que ficou conhecido como “folha seca”, deixa o goleiro peruano sem ação.
Foto 02 – No início do jogo, Garrincha apresentou para Yachin, o famoso
“Aranha Negra", seu cartão de visita. Passou por seus marcadores e carimbou a
trave esquerda da meta soviética.
Foto 03 – Os defensores da seleção soviética não conseguiram encontrar
Garrincha em campo. Mané era desconcertante.
Foto 04 – Juscelino Kubistchek, Presidente da República, vibra com o
gol de Didi contra a França.
Foto 05 – O Brasil suou a camisa para furar a muralha formada pelos
jogadores galeses. No fundo da meta de Kelsey, goleiro do País de Gales, os jogadores
pulam sobre Pelé, autor do gol da vitória brasileira.
Foto 06 – Pelé de joelhos vibra após marcar contra a Suécia. Garrincha
se aproxima para abraçá-lo.
Foto 07 – Em frente ao Palácio do Catete, Juscelino Kubistchek e Pelé
na festa dos campeões mundiais.