Índio, campeão pelo Fluminense em 1948, está com 94 anos
Índio, com a sua tradicional boina, participa do individual comandado por Ondino Viera, em 1948,
Meu amigo Bolt, grande tricolor, me passou uma mensagem lembrando que Índio, do time campeão do Torneio Municipal de 1948, é o mais velho ex jogador do Fluminense ainda vivo com os seus 94 anos. Agradecendo a lembrança do Bolt, publicamos a entrevista por nós realizada com Aloisio Soares Braga em 31 de outubro de 2007.
Acompanhado pelo prezado primo e amigo Mauro Neves, fui ao encontro do ex-são-cristovense,
tricolor e botafoguense Índio, hoje com 87 anos. Na casa de sua filha, no Jardim
Guanabara, na Ilha do Governador, ele contou um pouco da sua vida no futebol:
De
Ramos para Figueira de Melo
“Meu nome é Aluísio Soares Braga e
quando garoto morava lá em
Ramos. Comecei a jogar bola no Ramos, cujo campo ficava na
Rua Doutor Augusto. Comecei a bater bola ali e num terreno que havia defronte
lá de casa e não saía dali. Depois passei a jogar no Alvacere, um clube fundado
na Vila Alvacere. Meus irmãos jogavam lá. Meu irmão Rogério que jogava no
Botafogo, quando tinha uma folga visitava os nossos pais e ia jogar lá. Meus
outros dois irmãos também jogavam no Alvacere. A família toda brincava bem.
O time do Alvacere era bom. Disputava
os campeonatos de pelada. Eu cresci participando de tudo isso, até que fui para
o São Cristóvão. Quem me levou foi um torcedor fanático do Alvacere chamado
Anísio. Já deve ter morrido há duzentos anos. Ele já era velho quando eu era
garoto. Treinei no time de reservas. O treinador era o Roberto Cunha, aquele
ponta-direita da Copa de 38. Quando terminou o treino ele me chamou para
assinar contrato. Não trabalhava em nada e para mim foi bom, porque meu negócio
era jogar futebol.
No São Cristóvão, encontrei Nestor,
Magalhães, Louro, Mundinho. Cheguei a formar a zaga com Mundinho. Joguei também
com Neca, que era o meia-direita, e João Pinto de centroavante. O time era
muito bom.”
O apelido e a ida para
o Fluminense
O apelido de índio surgiu no São
Cristóvão. Comecei a jogar e eles passaram a me chamar de Índio. Sou carioca,
nascido em Botafogo, e minha avó era índia.
Quando saí do São Cristóvão fui para
o Fluminense. Eu tinha um alfaiate que era tricolor doente e aí ele falou com
alguém que me indicou para o Fluminense. O treinador era o Ondino Viera. Lá
joguei com Orlando, Rodrigues, Castilho, Píndaro, Pinheiro, Bigode, Simões.
Em 1948, no campo do Botafogo,
decidimos o título do Torneio Municipal com o Vasco. O Flávio Costa colocou o
time completo, o “Expresso da Vitória”, que tinha sido campeão dos campeões, no
Chile. O Ondino nos falou:
“Não é o “Expressinho, é o time
titular do Vasco. Vamos lá jogar o nosso futebol”. Nosso time era armadinho e
fomos para o campo enfrentar o “Expresso da Vitória” que o Flávio escalou para
não perder a chance de ser campeão.
Orlando fez o gol de bicicleta. O
Vasco partiu pra cima, mas deu para eles não. Castilho fechou o gol. Falaram na
época que os jogadores do “Expressinho” torceram por nós. Eles queriam jogar e
na hora do jogo foram barrados.
A chegada a General
Severiano
Fiquei no Fluminense dois anos, 1948
e 49, e em 50 fui para o Botafogo. O time era praticamente o mesmo do
campeonato de 48. Eu fui para jogar no lugar do Gerson que fugiu para Colômbia,
indo jogar na tal liga pirata. Joguei muitas vezes de beque central, formando o
trio com Osvaldo “Baliza” e Nilton Santos. Nilton era um cracão de bola. Sabia
jogar, jogava muito. Ele jogava de beque esquerdo, marcando o ponta. Dominava e
saía jogando. Não chutava pra o alto, sabia jogar demais. Ele jogou muita bola
e era fácil jogar com ele. Eu de beque central ali cobria a área.
Eu jogava de boina ou de gorro porque
meu cabelo era grande e caía nos olhos. Se eu não usasse, começava o jogo e em
pouco tempo não enxergava nada.
A volta ao ninho antigo
No Botafogo, o técnico ainda era o
Zezé Moreira. Quando eu saí, voltei para o São Cristóvão. Depois fui encerrar
praticamente no Tupi, de Juiz de Fora. Ao retornar novamente ao São Cristóvão,
joguei algumas vezes e fiquei como técnico. O time tinha bons jogadores, como
Hélio, Humberto Tozzi, Ivan, Cabo Frio. Haroldo, campeão pelo Fluminense, em
46, e Neném estavam parados e eu os levei pra lá.
Eu parei no futebol de campo, mas
continuei jogando futebol de salão. Como eu morava em Ramos fui jogar no
Paranhos. Para mim era uma cachaça, não podia ficar sem jogar futebol.
Comecei a jogar de lateral direito.
No São Cristóvão, o Picabéa me colocou de beque central. No Fluminense, passei
a jogar de half direito e formei uma linha média com Pé de Valsa e Bigode. A
defesa jogou muitas vezes com Castilho, Píndaro e Pinheiro, eu, Pé de Valsa e
Bigode. O Píndaro marcava o ponta por um lado e o Bigode por outro. Eu jogava
apoiando.
Cheguei a jogar na seleção carioca.
Mas tinha muita política. Jogava quem os dirigentes gostavam.
Família botafoguense e
boa de bola
Minhas referências no futebol foram
meus irmãos. Rogério, bom de bola, era do Botafogo. A família inteira torcia
pelo Botafogo. Osvaldo e Waldemar jogavam bem. O primeiro era center half e o
outro lateral direito. Osvaldo jogava uma barbaridade, mas nunca quis sair do
Alvacere. Recebeu convites de vários clubes, inclusive meu irmão Rogério quis
levá-lo para o Botafogo e ele disse não.
Os craques
inesquecíveis
Como beque central sempre achei o
Domingos da Guia uma barbaridade. Está para aparecer outro igual. Não era
chutador pra frente. Sabia roubar uma bola, sair driblando. Norival também foi
um tremendo beque central. Na minha época tinha uma porção de atacantes que
eram difíceis de marcar. Joguei contra o Ademir e era difícil marcar porque ele
se mexia muito em campo. Didi era cabeça, cracão de bola. Zizinho era o “Mestre
Ziza”. Jogava demais. Era outro ruim de marcar. Hoje é difícil você encontrar
um Didi, um Zizinho. Tá ruim aparecer um
cara que saiba armar no meio de campo.
Dois goleiros me transmitiam
tranquilidade: Castilho, no Fluminense, e Louro, no São Cristóvão. O negrão
quando saía se você estivesse na frente ele atropelava. Agora, cracão no gol
era o Castilho. Jogava uma barbaridade. Tinha sua sortezinha... O cara que não
tiver sorte, não adianta.
Ondino Viera foi um grande treinador.
Picabéa foi um grande treinador também. Outro bom técnico foi o Ademar Pimenta.
Ele que me lançou no time.
Hoje, os times estão
horrorosos
Tive e tenho a vontade de voltar a
ser treinador, mas a idade não permite. Voltar para morrer no futebol. Por que? Eu modificaria muita coisa no futebol. Vejo muita coisa que não é possível.
Os times cariocas estão horrorosos. Uma porção de gente nova jogando, mas sem
técnica. As faltas se sucedem sem necessidade. Uma porção de jogador metido a
malandro. Qualquer esbarrão é motivo para o cara se jogar e o pior é que os
árbitros estão entrando nessa. Predomina a malandragem e uma porção de otário
está caindo nessa.
Não fui farrista, gosto
de mulher e samba
A preparação física sempre existiu,
especialmente, para o jogador que gostava de treinar. Eu, por exemplo, dava no
mínimo dez voltas em torno do campo do São Cristóvão. Não queria ir para campo
fazer palhaçada para os outros. Ia para jogar e corria durante os noventa
minutos. Nunca fui farrista, não bebo e não fumo até hoje. Estou com 87 anos,
uso marca passo e não ter bebido e fumado me mantém vivo.
Meu fraco sempre foi mulher que não
atrapalha. Adoro mulher. O que atrapalha é beber e fumar. Na minha época tinham
muitos boêmios. Jogador de clube pequeno não tinha dinheiro para gastar.
Sempre gostei de samba. Sou fundador
da Imperatriz Leopoldinense. Onde eu morava tinha o Bloco Unidos do Itararé.
Saía no bloco de sujo de dia e de noite desfilava na Imperatriz. Samba era
comigo.
Eu era também compositor da
Imperatriz. Mas, nunca corri atrás. Se quiser canta, se não quiser não canta. O
meu negócio era me divertir.
Os árbitros de hoje são
uma vergonha
Os árbitros não pegavam no meu pé.
Hoje não existe nenhum igual ao Mário Vianna, ao Malcher, ao Peixoto. Eram
severos. Mário, quando eu dava uma entrada mais forte, dizia:
“Na próxima vai pra rua”. Eu
respondia: você não está vendo que fulando está batendo firme. Ele falava: ”Não
quero saber, se der outra vai pra rua”. Hoje, esses caras apitando, é uma
vergonha.
Minha família sempre me ajudou. Meus
pais, meus irmãos. Sou o caçula e tenho 87. Veja você o mais velho. Tem
duzentos anos. Hoje, tenho netos e bisnetos”.
Time do Fluminense que venceu o Moto Clube por 2 a 1, em São Luiz: Índio, Pé de Valsa, Mário, Píndaro, Castilho, Hélvio e Ondino Viera; 109, Santo Cristo, Simões, Orlando e Rodrigues.
No dia 23 de maio, o Fla x Flu pelo Torneio Municipal terminou com o empate de 1 a 1. Equipe do Fluminense antes da partida: Hélvio, Tarzan, Pé de Valsa, Índio, Mirim e Bigode; 109, Careca, Rubinho, Emílio e Rodrigues.
Após a vitória sobre o "Expresso da Vitória" e a conquista do Torneio Municipal de 1948, em General Severiano, Índio abraça seu companheiro Castilho.
Índio observa a defesa de Tarzan na partida em que o Fluminense goleou o Olaria por 8 a 2, na Rua Bariri, no campeonato carioca de 1948.
Swindin, Mister Barrick e Índio antes da partida Fluminense e Arsenal, em 1949, no campo do Vasco. Os ingleses venceram por 5 a 1.
Índio, Pé de Valsa e Bigode formaram a intermediária tricolor na temporada de 1949.
Em dezembro de 1949, Índio observa a troca de flâmulas entre Ivan Raposo, chefe da delegação do Fluminense, e César About, presidente do Moto Clube de São Luiz. O Fluminense venceu por 2 a 0. gols de Simões e Orlando.