O
bronze com brilho de ouro
O
Constellation, da Panair do Brasil, na cabeceira da pista do Aeroporto
Internacional do Galeão, hoje Antônio Carlos Jobim, se preparava para a decolagem.
O comandante acelerava os motores, imprimia velocidade e alçava vôo. O destino
era Londres, capital da Inglaterra.
No dia 24 de
julho de 1948, naquela aeronave estava a delegação brasileira masculina de
basquetebol rumo às Olimpíadas. No ano anterior, perdemos o título
sul-americano para os uruguaios, no Ginásio do Vasco da Gama, em São Januário.
A seleção viajara desacreditada, sem médico, roupeiro e preparador físico. Embarcavam para Londres, apenas, dez jogadores
e o técnico Moacir Daiuto.
Mário Hermes, grande pivô do Flamengo e de vários selecionados cariocas
e brasileiros, externou seu sentimento por não ter participado das Olimpíadas
de 48 e nos contou alguns fatos que antecederam a ida da seleção àqueles Jogos
Olímpicos:
“Eu era jogador da segunda divisão e o Kanela me convidou para os
pré-olímpicos aqui no Rio. Mas, eu sentia que era um corpo estranho. Tinham os
cobrões e eu um guri da segunda divisão. O Guilherme, do Botafogo, quando
retornou de Ponta Grossa, começou a treinar e me deu a maior força.
Fiquei um mês sem sair da Escola Naval, onde estudava. Quando saí
tinham sido convocados dez jogadores e poderiam convocar doze. A questão é que
não se acreditava nas possibilidades do basquete. Eu fiquei com vergonha e não
me coloquei à disposição da seleção”.
Togo Renan Soares, o popular Kanela, já era um técnico consagrado pelas
suas conquistas à frente das equipes do Botafogo e do próprio Flamengo para
onde se transferiu, em 1948. Mesmo não sendo o técnico escolhido pela
Confederação Brasileira de Desportos, Kanela não se conformou com a ausência de
Guilherme e lutou até o fim pela sua permanência na seleção, como nos contou
Mário Hermes:
“O Guilherme não foi escolhido e, obrigatoriamente, tinha que ser
escolhido. Ele desequilibrava uma partida com a sua altura e o volume do seu
corpo. Ficava ali embaixo da cesta o tempo todo que quisesse. Se ele tivesse
ido nós traríamos a medalha de prata.
Kanela me contou que foi tomar satisfação na CBD, porque o Guilherme
não estava na delegação, A desculpa foi que os dentes do Guilherme estavam
ruins. Só não digo que o Kanela conhecia Deus e todo mundo, porque não sei se
ele conhecia Deus. Pegou o Guilherme e levou ao melhor dentista do Rio. Chegou
às sete da manhã e saiu às quatro da tarde. Kanela voltou à confederação e lá
chegando, falou que o Guilherme, agora, terá que ser convocado. Veio outra
desculpa: ele não iria porque era indisciplinado. Aí, o Kanela deu um soco no
presidente da confederação.
Kanela não era o técnico da seleção. Não aceitavam o Kanela como
técnico, embora na minha opinião, já naquela época, ele fosse o melhor. Kanela
não era uma pessoa benquista. Ele criava muito caso”.
Finalmente, chegou o dia da estréia.
Pela frente a Hungria, vice-campeã européia, e a seleção venceu por 45 a
41. O extraordinário Algodão foi o cestinha com 15 pontos. Com sabor de
vingança, em razão da derrota na final do sul-americano, o Brasil venceu os
uruguaios por 36 a 32. Alfredo da Mota marcou 14 pontos e Algodão foi o segundo
cestinha com 12. Mostrando categoria ganhamos do Canadá por 57 a 35. Com 23
pontos, Alfredo da Mota foi, novamente, o cestinha brasileiro.
No último jogo da fase
classificatória, vencemos com folga os donos da casa pelo placar de 76 a 11 e
Alfredo da Mota marcou 16 pontos. Nas quartas-de-final conseguimos uma vitória
apertada diante da Tchecoslováquia por 28 a 23. Alfredo da Mota, Évora e
Massinet foram os cestinhas com 5 pontos.
Fomos para a semifinal enfrentar os franceses e o cansaço nos levou a
derrota por 43 a 33, na opinião de Ruy de Freitas, um dos heróis da campanha de
Londres e grande personagem da história do basquete brasileiro:
“Foi um exemplo de como o esporte no Brasil não é bem tratado. Tivemos
que levar goiabada e outros alimentos. Não tínhamos médico, massagista. Era um
médico para toda a delegação, só queria saber das meninas da natação. Num jogo
em que o Alfredo se machucou, ele apareceu e quando foi atender o Alfredo, o Reis
Carneiro disse: “tira mão daí. Não mexe no meu jogador. Não venha agora pra
cá”.
Nós podíamos levar doze jogadores e levamos dez. Tivemos a contusão do
Évora, um companheiro amarelou, não digo o nome, e o Daiuto, que era o técnico,
não tinha confiança em três jogadores. Quando chegou a partida contra a
Inglaterra, que era a seleção mais fraca, alguém da chefia da delegação disse
que era importante o saldo de cestas. Corremos muito para fazer pontos. Contra
a França, cansados, sem massagista, sem médico, não ganhamos. Para vencermos
depois o México, foi um custo.
A medalha de bronze valeu como se fosse ouro. Mas, quando eu entrei em
Wembley, no desfile inaugural, vendo todo aquele cenário, eu disse para mim
mesmo: não preciso ganhar, já estou satisfeito”.
Na disputa da medalha de bronze, Alfredo da Mota confirmou sua condição
de cestinha da seleção e marcou 26 pontos. O Brasil venceu por 52 a 47 e
conquistou o bronze que no peito de cada um desses heróis eternamente brilhará
como ouro, simbolizando a garra, superação, dignidade, amor ao esporte e a
certeza do dever cumprido.
F 01 – Integrantes da delegação brasileira nas olimpíadas de 1948, lêem
o jornal O Globo. Destacamos na foto Ruy de Freitas, Ademar Ferreira da Silva, Alfredo da Motta e o técnico Moacir Daiuto.
F 02 - Nossos heróis olímpicos que conquistaram a medalha de bronze, em
Londres: Pacheco, Alfredo da Mota, Algodão, Massinet, Alexandre e o técnico
Moacir Daiuto; Marson, Vinicius, Ruy de Freitas, Évora e Braz.
F 03 – Lance da partida entre Brasil e México que decidiu a medalha de
bronze. Vemos Algodão, Manisset, com a bola, e Ruy de Freitas.
Foto 02
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