Adeus ao campeão mundial Waldir Bocardo
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No último domingo, dia 18 de novembro de 2018, faleceu Waldir Geraldo
Bocardo. Waldir, campeão mundial de basquete de 1959, nos recebeu em seu
apartamento no Leme. As fotos, as medalhas e os troféus conquistados ao longo
da brilhante carreira esportiva, ornamentavam o cenário, onde conversamos
durante mais de três horas na tarde de 11 de agosto de 2011:
A vontade de aprender a
jogar
“Eu morava em São Manoel e meu pai era mecânico. Quando ele ficou
tuberculoso, nós tivemos de mudar de cidade. Mudamos de São Manoel para São
José dos Campos, cidade que só respirava basquete. Então, eu que era um menino
grande fui obrigado a jogar basquete. Eu era o pior da escola, o pior. Eu era
um vexame. O que me fez ficar bom foi muito treino, perseverança, vontade de
vencer. Eu tive sorte, porque peguei grandes técnicos. Em São José dos Campos,
meu técnico foi o Marsson, olímpico em 48, que está muito vivo, inteirinho.
Minha família era pobre. Saiu um artigo na folha de São Paulo a meu
respeito intitulado “Banana Ouro”. Nós só comíamos banana. Meu pai,
tuberculoso, comia uma sopinha. As
caixas de banana serviam de mesas e de cadeiras.
A mudança de cidade foi importante, porque senão eu seria um mecânico
grande e não um jogador de basquete. Eu treinava de manhã, de tarde e de noite.
Eu tinha um amigo que me comparava com uma bola de chicletes, que cada
dia ficava maior. Eu não jogava nada. Eu me lembro que uma vez foi para São
Manoel e disseram que eu jogava basquete em São José. Não joguei nada. Fui
ridículo. Quando voltei, fiquei vendo um jogo da arquibancada e falei qualquer
coisa que entenderam como se eu estivesse fazendo falta ao time. Foi só
gargalhada.
Aos domingos, chovendo ou não, eu ficava sozinho na quadra pulando. Meu
técnico dizia que eu não pulava nada. Em casa para fortalecer as pernas, enchia
uma bolsa de tijolos e me exercitava.
Em São José dos Campos, fui campeão dos Jogos Abertos do Interior,
realizados em Ribeirão Preto. Como eu era o mais alto, carreguei a bandeira. O
time era muito bom. Jogavam Marsson, Bombarda que eram da seleção brasileira.
A vinda para o Rio
Em 1958, eu vim ao Rio fazer prova para a faculdade e passei para
Educação Física. Quando eu voltei do mundial, o Corinthians foi a São José para
me levar. Me ofereceram 17 mil e 500 cruzeiros e o Flamengo, o Kanela, me dava
5 mil. Mas, eu tinha passado na faculdade e tive juízo suficiente para pensar:
o dinheiro vai acabar e o diploma não vai acabar. Tanto que, hoje como professor,
eu tenho três aposentadorias: duas estaduais e uma pelo INSS.
O título mundial
Antes do mundial, eu já tinha sido convocado para a seleção paulista.
Joguei contra a URSS, na inauguração do ginásio do Ibirapuera, e contra a
Argentina.
Na fase de classificação, classificaram-se
Brasil e União Soviética. Eles se retiraram do campeonato e para nós não fez
diferença nenhuma. A minha faixa de campeão está ali na parede. Ninguém diz que
a União Soviética foi embora. Não tem nada disso. Problema deles.
O grupo era tão maravilhoso, que a gente se encontra trinta, quarenta anos depois e a amizade continuava a
mesma como se a gente não tivesse nos separado uma semana. Continuamos super
amigos até agora. Sentimos a perda dos companheiros. O Edson era o meu melhor
amigo e faleceu há pouco tempo.
Kanela o melhor técnico
Kanela tinha a liderança, Kanela tinha carisma, Kanela tinha autoridade.
Kanela mandava no Flamengo desde o presidente até o roupeiro. Era uma coisa
impressionante. Kanela comprava comida para a gente depois do treino. Ele
passava na Praça Xv e pegava Fernando Brobro, Artur, Guguta, todo o pessoal que
morava em Niterói. Pegava com o carro dele, trazia para o treino, alimentava
todo mundo e depois dava dinheiro para todo mundo pegar a condução para ir
embora.
Kanela era o primeiro a acordar. Quando nós ficamos quarenta e cinco dias
na ilha das Enxadas, ele pegava o rádio do Rosa Branca, botava bem alto e
gritava para nos acordar: “Os russos estão na esquina!” Ele era sensacional.
Foi o maior técnico que o Brasil já teve. Tanto que ele está no Rol da Fama.
Qual outro técnico brasileiro que pertence ao Rol da Fama. Nenhum. Só o Togo
Renan Soares, o Kanela.
A diferença do Kanela para os outros técnicos era a visão que ele tinha.
Eu era pivô na seleção. Ele me botou para jogar de ala. Eu adorei jogar de ala.
Foi aí que eu joguei muito mais. .Ele via coisas que os outros não viam. Ele
tinha um livro que surrupiou da biblioteca do exército. Ele falou assim: ”Esse
livro vai ter muito mais utilidade para mim do que pra eles aqui. Não deu
outra. Era um livro de um camarada chamado Dr.Fox Alen. Tudo que ele queria
estava no livro. Ele falava para o massagista na hora de enfaixar o pé de um
atleta: “Não, não é assim”.
Em 1930, o livro já falava na marcação entre o adversário e a bola. Não
entre o adversário e a cesta como se marca até hoje no Brasil. O ginásio da
Universidade de Kentuky tem o nome de Fox Alen. Kanela tinha o livro e os
outros não tinham.
Flamengo e Algodão
“Flamengo é Flamengo” como disse o Ronaldinho Gaúcho quando outros clubes
se interessaram por ele. Jogar no Flamengo é uma glória. Minha camisa só não
foi a 13 na seleção, porque alguém já usava a 13. Quando o Ubiratan foi
convocado, como ele gostava da 6, eu passei a usar a 13. No Flamengo, eu subia
a arquibancada correndo e descia no canguru. Era a minha preparação física.
Por ocasião da convocação para a seleção brasileira, fomos para São
Pedro, em São Paulo. O Algodão não tinha chegado ainda. Estávamos eu e o Pedro
Ives, de São José dos Campos. Dois caipiras. O Algodão chegou e todo mundo
falando Algodão, Algodão, Algodão....Ele estava batendo lance livre. Acertou
cinqüenta seguidos e nós ficamos de boca aberta. Era tão bom jogar com o
Algodão, porque se você e ele estivessem livres e dava a bola para você fazer a
bandeja. Não era egoísta. Era um camarada fabuloso. Senti muito a morte dele.
Algodão foi o maior jogador da história do Flamengo. Porém, em termos
nacionais temos o Wlamir, o Amauri, a Hortência e a Paula. Nos tempos atuais.
Jogavam demais. Conquistamos vários títulos por causa do Amauri e do Wlamir.
Depois da conquista do decacampeonato, o Flamengo perdeu vários
jogadores. Alguns saíram e outros pararam de jogar. Os novos não eram tão bons
como aqueles que saíram. Mical foi para São Paulo, Fernando foi trabalhar num
banco, Algodão vinha de vez em quando. Mas, voltamos a ser campeões em 62 e 64.
Em 61, o Renato Brito Cunha, técnico do Fluminense, recém chegado dos
Estados Unidos, colocou em prática a marcação sob pressão Botafogo, que era
novidade. Acho que não tinha no livro do Dr. Fox Alen.
A carreira de técnico
Na minha carreira de jogador, joguei a maior parte do tempo no Flamengo.
Fiquei no Vasco seis meses e retornei ao Flamengo. Vesti ainda a camisa do
Botafogo.
Em 1959, quando cheguei ao Rio, conheci a mulher com a qual eu me casei,
a Rose. Eu tinha vários empregos e o meu objetivo maior não era mais o
basquete. Apareceram outros jogadores, como o Vitor que tinha um estilo de jogo
parecido com o meu. Essas foram razões que me afastaram da seleção brasileira
que conquistou o bicampeonato mundial em 1963.
Na função de técnico, as minhas principais conquistas foram o campeonato
estadual de 74 pelo Fluminense, campeonato estadual de 77 pelo Flamengo,
campeonato brasileiro com a Bit Corinthians lá no sul. Foi a primeira vez que
um time fora de São Paulo ganhou um campeonato brasileiro. Fui assistente
técnico do Ari Vidal, no campeonato mundial nas Filipinas. Ficamos em 3º lugar.
Foi a última vez que o Brasil foi ao pódio num mundial”.
Foto 01 – A medalha de
campeão mundial de Waldir conquistada em Santiago, do Chile, em 1959;
Foto 02 – Edson,
Waldir, Pecente e Algodão retornam ao Brasil com as faixas de campeões
mundiais.
Foto 03 – Waldemar e
Waldir com Juscelino, quando o presidente recepcionou os campeões mundiais.
Foto 04 – No Fla x Flu
decisivo do campeonato carioca de 1959, Waldir tenta a cesta. Era o 9º título
consecutivo do Flamengo.
Foto 05 – O diploma de
Waldir pela participação brasileira na Olimpíada de Roma, em 1960. O Brasil
conquistou o bronze.
Foto 06 – Com a camisa
13, Waldir defendeu o Flamengo durante 15 anos.
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