85 anos de Garrincha
Na passagem
dos 85 anos de Garrincha, no dia 18 de outubro de 2018, inserimos no texto a
seguir, parte já publicada, importantes depoimentos que enriquecem a trajetória
do nosso Mané. Nunca é demais, quando temos oportunidade, de lembrar de um
personagem do mundo do futebol que proporcionou tanta alegria as plateias de diferentes países.
De Pau Grande a General Severiano
No
dia 18 de outubro de 1933, há 85 anos, nascia em Pau Grande, no Distrito de
Magé, no Estado do Rio de Janeiro, um menino que recebeu o nome de Manoel dos
Santos. Além da simplicidade do lugar, Manoel sentiu ao longo da infância e da
adolescência a liberdade. A natureza lhe ofertava os rios e as cachoeiras para
os banhos, os pássaros e os bichos maiores para as caçadas e os espaços para as
descontraídas peladas.
Seus dribles desconcertantes chegaram ao conhecimento de pessoas da
cidade grande. Primeiramente, a próxima Petrópolis e depois ao Rio de Janeiro. Numa
tarde o rapaz Manoel embarcou no trem das 11 horas, em Raiz da Serra, com
destino a cidade grande. Ao descer na estação Barão de Mauá, estava a esperá-lo
um sócio proprietário do Botafogo, que o levou de táxi a General Severiano.
Corria o ano de 1953 e até hoje o não identificado botafoguense já assistira
várias vezes Manoel defender às cores do S.C. Pau Grande. Encantado com o seu
futebol, o misterioso alvinegro prometera a ele próprio que aquele jogador
vestiria um dia a camisa do seu querido Botafogo.
Manoel chega ao Botafogo
Manoel não reagiu bem ao convite para treinar em General Severiano.
Havia se decepcionado no São Cristóvão, onde foi tratado com indiferença; no
Vasco nem chuteiras lhe deram; e no Fluminense foi chamado de aleijado. Mas,
por insistência de alguns amigos resolveu fazer nova tentativa.
Recebido por Nilton Cardoso, filho e auxiliar do famoso técnico Gentil
Cardoso, Manoel recebeu o uniforme do time reserva e entrou em campo. Seu
marcador era o maior lateral-esquerdo do mundo, Nilton Santos. Para ele um
adversário qualquer como tantos que estava acostumado a enfrentar nas peladas e
nos jogos do S.C. Pau Grande. Ao receber a bola de Quarentinha, Manoel partiu
para cima de Nilton Santos, como fazia com os seus outros marcadores na Raiz da
Serra. Alguns afirmam e Nilton Santos confirma que Manoel jogou a bola entre as
pernas do seu famoso marcador e partiu para o gol. Juvenal, campeão em 1948, e
Paulo Amaral, ex-preparador físico e técnico do Botafogo, deram versões
diferentes a respeito do fato:
Juvenal:
“Garrincha quando chegou ao clube, nós os titulares nem estávamos aqui.
O primeiro treino do Garrincha foi entre os jogadores do come e dorme como se
chamava na época. Consta que no primeiro treino ele meteu a bola entre as
pernas do Nilton Santos. Isso é um folclore muito grande e têm pessoas que
mantêm esse folclore. Na verdade ele treinou normalmente, saiu-se bem e depois
participou de uma excursão pelo interior do estado. Nesses jogos, o Garrincha
realizou belas exibições.
Ao retornar ele continuou treinando já
como jogador do Botafogo. Como eu dava o primeiro combate ao ponta, levei
muitos dribles dele. A tal conversa que o Gentil mandou nós voltarmos para o
campo depois de receber às informações do Nilton Cardoso sobre o treino do
Garrincha, também, é folclore. Tanto que sua primeira partida no campeonato
carioca foi nos aspirantes contra o São Cristóvão. Interessante que o Nilton
mantém tudo isso. Até por carinho, por afeto e eu concordo. Mas, estou falando
francamente.
Na estréia contra o Bonsucesso, o Mané sofreu um pênalti. Para surpresa
nossa ele pegou a bola, colocou embaixo do braço, botou na marca, chutou e fez
o gol. Quando falaram com ele, respondeu: “O pênalti não foi em mim? Quem bate
sou eu.”
Nas excursões Garrincha realizou exibições fantásticas. Num jogo, na
França, ele passou por toda a defesa adversária, inclusive, o goleiro e voltou
driblando prá trás.
No início houve certa reação por parte de nós com relação ao futebol
irreverente e até irresponsável do Garrincha. Os companheiros se desmarcavam
para receber o passe e ele driblava o marcador e não dava a bola. Procurava
outro adversário para driblar. Depois nós nos acostumamos. Mané recebia a bola
e a bola era dele. Chutava, passava se quisesse passar e não adiantava
instruções dos técnicos. Ele não ouvia. Jogava o futebol que sabia e gostava. A
partir do momento que ele começou a compreender que era um senhor jogador de
futebol, mudou o seu comportamento. Isso aconteceu após a Copa de 62. Garrincha
passou a se julgar um grande astro. Foi o início do fim da sua carreira.”
Paulo Amaral:
“Num jogo de veteranos, em Teresópolis,
contra um time de Petrópolis, o Arati levou um baile do Garrincha. Arati, que
jogou no Madureira, Botafogo e na seleção brasileira indicou o Garrincha ao
Botafogo.
No primeiro treino do Mané, quando ele foi
trocar de roupa no vestiário, suas pernas tortas causaram espanto. O Gentil
Cardoso chegou a comentar: “olha, olha, o jogador do Arati !”. Gentil pediu
para eu distribuir as camisas e colocar o garoto no time reserva para ser
marcado pelo Nilton Santos.
Eu apitei o treino e na primeira bola que o
Garrincha pegou, partiu para cima do Nilton, penteou a bola com o pé direito,
movimentando-a no sentido da lateral do campo, o Nilton Santos balançou o corpo
para a esquerda e o Garrincha passou por dentro, aproximou-se da área e chutou.
Portanto, não houve o drible tão falado entre as pernas do Nilton.
A primeira vez que num
jogo o Garrincha vestiu a camisa do Botafogo, foi numa cidade do interior do
Estado do Rio de Janeiro, cujo nome não me recordo agora. Eu era o técnico dos
aspirantes e o Gentil me recomendou escalar e observar o Manoel.
O campo era muito ruim, sem grama, com
algumas touceiras e o Garrincha arrasou com a defesa adversária, colocando o
Ariosto, que fez quatro gols, cara a cara com o goleiro. Quando retornamos
entreguei o relatório, dizendo: o jogador Manoel é excepcional, com o detalhe
de driblar muito.
A estréia do
Garrincha, em jogos oficiais, foi no campeonato carioca de 53, contra o
Bonsucesso. Ele sofreu pênalti e quando o Geninho pegou a bola para bater, o
Garrincha disse: “quem bate sou eu”. Bateu e marcou o terceiro gol”.
Numa excursão à
Europa, o Botafogo jogou contra o Paris Saint Germain. Faltavam uns seis
minutos e vencíamos por 2 a 1. O Zezé Moreira gritou para o Quarentinha que
estava junto da lateral: “vamos segurar a bola”. O recado passou de jogador
para jogador até chegar ao Garrincha. Quando a bola foi passada para ele, todos
nós ficamos espantados, porque o Mané driblava os adversários até a linha de
fundo, voltava para a linha que dividia o campo e ficou assim até o final do
jogo”.
O fato é que surgia, naquele momento, o verdadeiro e inigualável fenômeno
de todos os tempos do futebol mundial.
Os primeiros chutes do garoto Manoel foram dados nas peladas na Rua dos
Caçadores. Fascinado por uma bola, ele sempre arranjava uma desculpa para
faltar à Escola Domingos Bebiano, da Fábrica Pau Grande da Cia. América Fabril.
João, irmão mais velho, apelidado de Zé Baleia, foi seu primeiro
técnico. Gostava de reunir e orientar a garotada, razão pela qual fundou o
Palmeiras F.C. O destaque do time era o garoto Manoel. No Palmeiras e depois no
Cruzeiro do Sul, Manoel jogava de meia- esquerda. Quando jogou no Serrano, onde
ficou apenas três meses, descobriu a sua verdadeira posição, ponta-direita.
Depois passou a defender o 1o time do Sport Club Pau Grande. Suas
brilhantes exibições empolgavam a todos que o assistiam, inclusive, o tal
botafoguense que o levou para General Severiano.
Gentil, quando chegou, ouviu de Nilton Cardoso os maiores elogios sobre
o treino do garoto. Chamou Garrincha e perguntou se ele faria tudo de novo.
Simplório, Garrincha respondeu que talvez sim, talvez não. O veterano treinador
mandou os jogadores voltarem para o campo e reiniciou o treino. Garrincha
repetiu o que fizera com Nilton Santos na ausência de Gentil Cardoso. O técnico
não perdeu tempo e autorizou a contratação de Garrincha. Versão contestada por
Juvenal.
Certa vez, conversando comigo e com o falecido repórter Pedro Paradela,
Garrincha nos contou que Arati, ex-jogador do Madureira e do Botafogo, o viu
jogar, em Pau Grande, quando foi apitar uma partida. Daí o ter indicado ao
homem que lhe abriu às portas do Botafogo.
A origem do
apelido
Quando menino outra diversão predileta era caçar passarinhos. Como era
pequenino e gostava de pegar garrinchas, pequeno pássaro mais conhecido pelo
nome de cambaxirra, sua irmã Rosa lhe deu o apelido de Garrincha, com o qual
ficou conhecido mundialmente.
Os repórteres que estavam presentes ao primeiro treino de Garrincha, no
dia seguinte elogiaram o desempenho do garoto das pernas tortas. O Diário da
Noite publicou: “Surgiu uma nova estrela no Botafogo. Sensacional o treino de
Gualicho”. No início a imprensa o chamou de Gualicho, nome de um cavalo veloz e
campeão das corridas no Hipódromo da Gávea. Depois Garrincha passou a ser um
nome obrigatório, escrito e falado, em todos os veículos de comunicação.
Os primeiros
jogos e a estreia no time titular
Antes de estrear na equipe principal do Botafogo, Garrincha atuou em
dois amistosos e na equipe de aspirantes contra o São Cristóvão. As duas
primeiras partidas foram, em Miguel Pereira, frente ao Avelar F.C., e diante do
E.C. Cantagalo, em Cantagalo, onde marcou três gols, no dia 29 de junho de
1953. O Botafogo venceu, respectivamente, por 1 a 0 e 5 a 1. Na vitória sobre o
São Cristóvão, Garrincha fez dois gols dos cinco feitos pelo Botafogo.
Morava na Rua Farani, em Botafogo, e o Fluminense jogava diante da
Portuguesa, em Campos Sales. Garoto, apaixonado por futebol, resolvi ver a
partida entre Botafogo e Bonsucesso, em General Severiano. Naquele domingo, 19
de julho de 1953, tive o privilégio de assistir a estreia no time principal
alvinegro, daquele que se tornaria o verdadeiro e único fenômeno do futebol
mundial.
Alguns podem indagar: e o Pelé? Para mim o jogador mais completo do
mundo em todos os tempos. Os dois foram gênios. Enquanto Pelé era um atleta
física e tecnicamente perfeito, Garrincha, além das pernas tortas, durante a
vida não se libertou do alcoolismo.
Luís Fernando, “o repórter que sabe do tudo”, que trabalhou comigo na
Emissora Continental e na Rádio Nacional, falou sobre Garrincha:
“Ele estava sempre alegre, mesmo quando perdia uma partida. Ele se
divertia jogando. A bola para ele era um brinquedo. Quando voltou do Chile após
a Copa do Mundo, renovou contrato com o Botafogo, que não lhe deu o dinheiro
que havia prometido. Na época o time estava indo para Recife, jogar três
amistosos contra Náutico, Sport e Santa
Cruz.
Na hora do embarque, no
Aeroporto Santos Dumont, ele não apareceu. Então, os diretores Renato Estelita
e Djalma Nogueira chamaram Nilton Santos e disseram: “Nilton, vai a Pau Grande
buscar o Mané, que nós vamos remanejar o vôo de vocês para as 18 horas”. Eu
estava ao lado dele e perguntei se podia ir junto. Então entramos no carro e
partimos para Magé. Quando chegamos à porta da casa, encontramos uns garotos jogando
uma pelada com bola de meia. Nilton foi entrando e Dona Nair, que foi a
primeira esposa do Garrincha, o recebeu e disse que o marido estava pescando
com os amigos Swing e Pincel. Dona Nair chamou um dos garotos para nos guiar e,
quando chegamos à beira do riacho, encontramos todos adormecidos ao lado de
três garrafas de cachaça vazias.
O Nilton acordou o Garrincha e disse: “Vai para casa tomar um banho
gelado e botar um terno, porque você vai comigo para Pernambuco.” E assim foi.
Ele respeitava muito o Nilton Santos e disputou os três jogos.”
Garrincha fez do futebol uma eterna brincadeira. Enquanto os normais
fugiam de seus marcadores, ele os procurava. Um dia conversando na sala do
Departamento de Esporte, da Rádio Nacional, com o querido e saudoso amigo Zoulo
Rabelo, ele me disse que instruía o zagueiro Joel para sempre tocar a bola para
Garrincha. Joel respondia: “Seu Zoulo, o Mané está sempre perto do marcador”.
Zoulo insistia: “Dê a bola prá o Mané que ele resolve”.
Há 65 anos a estréia no Botafogo
Voltando à tarde do dia 19 de julho de 1953, lembro-me bem que no 2o
tempo o Botafogo atacou para o gol da Rua General Severiano. Quando houve o
pênalti, vi Geninho, capitão da equipe, pegar a bola para bater a falta máxima. Garrincha se aproximou e tirou a bola de
Geninho. Não ouvi o que ele falou para o veterano craque. Porém, pelos gestos
decidira bater o pênalti, como fazia em Pau Grande. Conversando com Nilton
Santos sobre o fato, ele me disse: “Garrincha não deve ter falado nada, pegou bola,
como sempre fez, em Pau Grande, e bateu o pênalti”. Juvenal me confirmou o que
dissera Nilton Santos. Mané chutou e marcou mais um gol dos três que fizera no
goleiro Ari. Final Botafogo 6 x Bonsucesso 3.
Os rubro-anis abriram a contagem aos quatro minutos por intermédio do
ex-tricolor Simões, batendo falta de fora da área; Garrincha cobrou escanteio da
direita e Vinicius empatou aos 20 minutos; e Lino desempatou, ainda, no 1o
tempo. Na fase final, Garrincha marcou três gols e Dino dois para o Botafogo; Benedito
encerrou o placar.
A equipe alvinegra jogou com: Gilson, Gerson e Nilton Santos; Araty,
Bob e Juvenal; Garricho, Geninho, Dino, Carlyle e Vinicius. Na edição do Jornal
dos Sports, no dia da estreia de
Garrincha estava escrito: “Garricho estreará no Botafogo”. Na 3a
feira, dia 21, o JS não saía na 2a feira, o time do Botafogo estava
escalado com Garricho, na ponta- direita. O Bonsucesso se apresentou com Ari,
Duarte e Mauro; Urubatão, Décio e Serafim; Lino, Wilson, Simões, Soca e
Benedito.
As manchetes dos jornais, ainda, faziam confusão com o seu nome a o
chamavam com freqüência de Garrincho, Garrixa, Garrixo e Gualicho. Os jogos se
sucediam, Garrincha encantava os torcedores, a imprensa esportiva e,
finalmente, o nome Garrincha se firmava a cada dia.
Gilson Murci, era o goleiro alvinegro no dia da estréia de Garrincha:
“Estreei no time principal do Botafogo junto com Garrincha e me orgulho
muito disso. É uma honra que guardo até hoje e conto sempre aos meus filhos e
netos as aventuras dele. Como seu companheiro de equipe, posso dizer que ele
tinha um coração bom, puro, sem maldade nenhuma e jogava por prazer. Aqueles
dribles desconcertantes que dava nos adversários, aquilo nunca foi para
desmoralizar ninguém, ele jogava futebol como se estivesse brincando na praia
ou num terreno baldio. Foi um grande sujeito e, para mim, o melhor jogador de
todos os tempos. Tenho orgulho de ter jogado no mesmo time que ele e de ser
botafoguense.”
Títulos e
grandes atuações
No time do Botafogo jogavam Vinícius e Dino dois atacantes artilheiros
que seguiram o caminho do futebol europeu. Contratados, respectivamente, pelo
Nápoli e pela Roma, se radicaram ao futebol italiano e se realizaram
financeiramente. Acredito que ambos são eternamente gratos a Garrincha. Foram
inúmeros os jogos em que depois de deixar os adversários para trás, Garrincha
entregava a bola limpa para a finalização dos dois companheiros. Nilton Santos
nos contou que numa excursão à Europa, Vinícius pediu a Garrincha para ajudá-lo
a fazer gols, a fim de ser contratado por um clube europeu.
Com a contratação de Didi, em 1956, e a formação de uma grande equipe,
Garrincha passou a ter a companhia de outros craques. Até ali ao seu lado
jogavam bons jogadores e, apenas, Nilton Santos era um fora de série.
Em 1957, o Botafogo possuía excelente time com as destacadas presenças
de Nilton Santos, Didi, Pampolini, Paulo Valentim e Quarentinha. Completavam a
equipe os eficientes Adalberto, goleiro, Beto, Tomé e Servílio, zagueiros, e o
meio-campo Edson.
No campeonato, Garrincha brindou a torcida alvinegra com extraordinária
exibição na final, arrasando a defesa do Fluminense. Quem se beneficiou com o
show de Garrincha, foi o atacante Paulinho Valentim que marcou cinco gols e se tornou
o artilheiro daquele ano.
Logo após a conquista do campeonato, o Botafogo embarcou para mais uma
excursão ao exterior. Os jogos se sucederam em vários países americanos até a
disputa do Torneio Pentagonal, no México, com a participação do Guadalajara,
Toluca, Zacatepec, clubes locais, River Plate, tricampeão argentino, e
Botafogo. A equipe alvinegra perdeu na estréia para o Guadalajara por 2 a 0, se
reabilitando com as vitórias sobre o Toluca e o Zacapetec, respectivamente, por
4 a 3 e 3 a 1. Garrincha com atuações espetaculares desmantelava as defesas
adversárias, culminando com a desmoralização do zagueiro argentino Vairo, pelos
dribles que levou do ponteiro botafoguense, no empate de 1 a 1 com o River
Plate. Garrincha além das notáveis exibições foi o artilheiro alvinegro com nove
gols.
Garrincha impressionava a todos pela facilidade com que passava pelos
seus marcadores e brincava de jogar futebol. Convocado para as eliminatórias da
Copa de 58, Garrincha atuou, inicialmente, na ponta-esquerda e depois jogou na
sua verdadeira posição. Em Lima, no empate de 1 a 1 com o Peru, integrou o
ataque brasileiro na extrema- esquerda com Joel na ponta-direita.
No Maracanã, na segunda partida frente aos peruanos, atuou na sua
verdadeira posição, passando Joel para a ponta-esquerda. Na Europa, antes da
Copa, nos amistosos contra a Fiorentina e a Internazionale, Garrincha acabou
com as defesas adversárias. No jogo diante da Fiorentina, Garrincha depois de
driblar toda a defesa da equipe italiana, inclusive, o goleiro, parou, esperou
a chegada de um zagueiro, num passo de toureiro livrou-se do adversário, que
foi parar no fundo da rede, e, finalmente, terminou sua obra de arte, marcando
o gol.
Sua ausência nos dois primeiros jogos do Brasil, frente à Áustria e a
Inglaterra, tem diferentes explicações. Paulo Amaral, integrante da comissão
técnica em 58, dá sua versão:
O fato é que na estréia contra a URSS, logo nos primeiros minutos da
partida, Garrincha desmontou todo o esquema que o técnico soviético havia
preparado para marcá-lo. O beneficiado desta vez foi o centroavante Vavá, que
soube aproveitar os cruzamentos de Garrincha.
Terminada a partida final, Gunnar Green, técnico sueco disse:
“Garrincha nos deixa complexados. Faz sempre a mesma coisa... mas passa
sempre”.
Um ano depois da conquista da Copa do Mundo, o Botafogo excursionou à
Europa. Os alvinegros enfrentaram os austríacos e os suecos, empatando com os
primeiros de 2 a 2 e vencendo os escandinavos por 3 a 0, respectivamente. O
técnico da Áustria declarou após a partida: “Pensei que o jogo estivesse ganho,
mas aquele extraordinário jogador que nos deixou malucos, driblou a todos e fez
o gol”. Outra declaração foi a do treinador da Suécia, Gunnar Green: “O que
fazer? Eles trouxeram Garrincha de novo”.
Nilton Santos gostava de instigar Garrincha. Nas excursões falava:
“Fulano de tal, seu marcador, declarou que esse tal de Garrincha não é de
nada”. Começava o jogo, Mané estraçalhava o marcador e perguntava prá mim: “É
esse viado?”. Eu respondia: “Sei lá”.
Após a Copa do Mundo, o Botafogo rebebia mais um campeão mundial: Zagalo.
Contratado ao Flamengo, o ponta-esquerda juntava-se a Garrincha, Didi e Nilton
Santos.
Veio o bicampeonato estadual de 1961/62 e Garrincha proporcionava mais
um grande show na final de 62 contra o Flamengo. Além de liquidar o esquema
defensivo armado por Flávio Costa, Mané marcou os três gols na vitória por 3 a
0.
Na Copa de 62, no Chile, a seleção brasileira perdeu Pelé no empate de
0 a 0 frente a Tchecoslováquia para o resto do campeonato. Garrincha passou a
fazer de tudo. Contra a Inglaterra fez gol de falta, de perna esquerda, de
cabeça e chegou até ser expulso diante do Chile.
Na partida contra o Chile, o lateral esquerdo Eládio Rojas não
satisfeito com as entradas violentas em Garrincha, deu-lhe um tapa no rosto.
Naquele dia, Mané não agüentou e reagiu com um pontapé no traseiro do chileno.
O árbitro peruano Arturo Yamasaki, alertado por um dos bandeirinhas, só viu a
atitude do brasileiro e o expulsou. Garrincha não acreditava no que estava
acontecendo e meio atordoado deu a volta em torno do gramado, quando foi
atingido por uma pedrada. Aimoré Moreira que fora ao seu encontro, o acalmou e
o fez entender que o árbitro o expulsara. Mané trouxe para o Brasil o
bicampeonato mundial.
Os jornais chilenos estampavam: “Garrincha no es deste planeta. Viene
de Marte”. Winterbotton, técnico inglês, declarou depois do jogo Brasil 3 x
Inglaterra 1: “Preparamos nossos rapazes cuidadosamente durante quatro anos
para enfrentar times de futebol. Não esperávamos um Garrincha.”
Jorge Vieira, técnico campeão estadual com o América em 1960, se
preocupava com Garrincha, antes dos jogos contra o Botafogo:
“Treinávamos a semana toda uma tática que, pelo menos, impedisse que
ele chegasse ao fundo com facilidade. No esquema, o Ivan fechava a lateral para
evitar que ele partisse com a perna direita, forçando-o a jogar com a esquerda,
com a qual não tinha domínio completo, e dava um drible mais largo, permitindo
que o João Carlos pudesse roubar a bola. Às vezes dava certo, mas quase sempre
o Garrincha arrumava um jeito de passar.”
O início do
fim
Após o bicampeonato carioca de 61/62, os médicos chegaram à conclusão de
que o problema no joelho direito de Mané Garrincha era uma artrose. O
recomendável seria parar uns noventa dias para tratamento. Os contratos que o
Botafogo assinava para jogos no exterior sempre exigiam à presença de
Garrincha. Sem ele a cota por partida caía pela metade. Mais uma vez ele
atendia os interesses do clube. Conseguia jogar por causa das infiltrações no joelho
lesionado.
A velocidade inicial com que partia para passar pelos adversários não
era a mesma. Desgostoso, começou a engordar. As atitudes dos dirigentes com ele
não eram as mesmas, principalmente, depois da cirurgia realizada com o Dr.
Marques Tourinho, médico sem vínculo com o Botafogo. Chegou a ser multado e afastado
do time.
Finalmente, o Botafogo após recusar várias propostas para vender o
passe de Garrincha, acertou a sua transferência para o Corinthians. Garrincha
ainda foi à Copa de 66, na Inglaterra, e ao lado de Pelé venceu a Bulgária por
2 a 0, gols dele, de falta, e de Pelé. Frente a Hungria perdeu por 3 a 1 e não
enfrentou Portugal, sendo substituído por Jairzinho, herdeiro da sua posição no
Botafogo.
Emprestado pelo Corinthians ao Vasco, em 1967, Garrincha iria estrear
na abertura da Taça Guanabara. Antes integrou uma equipe mista, em Cordeiro,
diante da seleção local. Contundiu-se na véspera do amistoso e jogou no
sacrifício. Ainda assim marcou o 5º gol, de falta, na goleada de 6 a 1.
A programada estreia contra o Bangu, na Taça Guanabara, não aconteceu e
Garrincha acabou não sendo aproveitando pelo Vasco.
Depois jogou, em 67, no Atlético Júnior, da Colômbia. Retornou ao
Brasil e vestiu a camisa do Flamengo, em 68. Garrincha encerrou a carreira, em
1972, como jogador do Olaria.
Depois, Mané passou a integrar a equipe de veteranos do Milionários que
com grandes ex-craques se exibia pelo interior do Brasil. Deixar os gramados
sempre foi uma tarefa dificílima para Garrincha. Ele dava alegria ao povo,
porque o futebol era a sua própria alegria.
Há 35anos, o adeus
à “alegria do povo”
Transmiti, em 1973, o jogo de
despedida de Garrincha frente à seleção de jogadores estrangeiros que atuavam
no Brasil. A emoção foi grande ao narrar o drible de Garrincha no zagueiro
uruguaio Bruñel, do Fluminense. Bola entre às pernas do adversário e do bico da
área o chute por cima do travessão. Dizem que o ex-jogador Gilbert, um dos
organizadores da partida juntamente com os repórteres Vitorino Vieira e Pedro
Paradela, pediu a Bruñel que o deixasse driblar.
Emoção maior estava por vir. Dez anos depois, no dia 20 de janeiro de
1983, estava na redação da TVS-canal 11, quando o grande jornalista Mário
Moraes, nosso diretor de jornalismo, recebeu a notícia da morte de Garrincha.
Designado para fazer a matéria, o repórter Melinho me perguntou se eu
queria acompanhá-lo. Fui e ao chegar encontrei o corpo de Manoel dos Santos
sobre a mesa da capela da Casa de Saúde Dr. Eiras, sozinho, sem os refletores
que iluminaram seus shows e sem o calor dos milhões de torcedores que o
aplaudiram nos palcos esportivos.
Na minha lembrança, passou um
filme, cujo início foi à estreia contra o Bonsucesso, depois os dribles nos
“joões” brasileiros e estrangeiros, seus marcadores apavorados e por ele sempre
deixados prá trás, a vibração dos torcedores com a alegria que lhes era
proporcionada, às estórias contadas por seus amigos, especialmente, as que
surgiam nas longas conversas com João Saldanha e Zoulo Rabelo, queridos
companheiros de trabalho, enfim tudo de bom que Mané nos deu.
Ali rumo à seleção do céu, estava “A alegria do povo”, “O demônio das
pernas tortas”, o “Espantalho”, como dissera o extraordinário goleiro Castilho,
do Fluminense, após a final do campeonato carioca de 1957. Como afirmou Gerson,
o “Canhotinha de Ouro”: “Garrincha era desconcertante”. Com simplicidade e
modéstia ele explicava os seus dribles:
“Eu já nasci com o dom de driblar. Eu acho muito mais fácil uma pessoa
que tem a bola dominada partir para cima do seu marcador, porque o marcador
está sempre esperando e apoiado no chão. Você correndo tem mais facilidade de
dar um toque na bola, enquanto ele se vira para acompanhar você, você já está
longe”.
Não cometam o imperdoável equívoco de comparar Garrincha com qualquer
outro jogador do planeta Terra. Mané e Pelé são criaturas únicas criadas pelo
Criador. O primeiro o único fenômeno do mundo do futebol, o segundo o mais
completo jogador de todos os tempos.
O belo texto de Matinas Suzuki Jr, publicado na edição 1148 da Revista
Placar de fevereiro de 1999, compara Garrincha a Cantinflas e a Carlitos,
gênios da arte do humor:
Garrincha,
Cantinflas e Chapiln
“A foto de Mané Garrincha ao lado de Mazzola em 1958, tirada
provavelmente em alguma viagem da seleção brasileira, chama a atenção é o
quanto nos faz lembrar dois outros grandes ídolos populares que, com ele, eram também
anti-heróis populares, cômicos e líricos, Palhaços nos tentando fazer rir no
meio de infindáveis tristezas, nobres vagabundos portadores de esperanças.
O chapeuzinho de aba virada, o cigarro quase despencando dos lábios, o
terno muito apertado (“o defunto era menor!”, dizia-se antigamente), a calça
abaixo da cintura, lembram o imortal personagem criado pelo mexicano Mário
Moreno (1933-1981), o Cantinflas, tão vivo no imaginário brasileiro quando o
cinema mexicano era popular por aqui. Para ser um Cantinflas – até o nome
estranho era parecido com o dele – só faltava a Garrincha o bigodinho.
Ao mesmo tempo, a necessidade de aparentar alguma dignidade através da
roupa surrada, o guarda-chuvas pendurado no braço e, sobretudo, as pernas
irremediavelmente tortas de ambos – como se Deus quisesse andar certo com
pernas tortas – lembram o universal símbolo criado por Charles Chaplin
(1889-1997), o Carlitos.
Esta foto opera o pequeno milagre de uma cômica santíssima trindade ao
vestir Garrincha de Cantinflas e de Carlitos. Eles foram três dribladores de
situações antagônicas, três agentes desastrados da solidariedade humana. Eles
fizeram milhares de pessoas esquecer seus problemas para... apenas sorrir.
Cantinflas com os truques da palavra, Carlitos com truques do corpo,
Garrincha com truques para driblar. Todos populares. Todos verdadeiramente
humanos. Três alegrias do povo, três gargalhadas da humanidade. Como perguntava
Nelson Rodrigues: “Como pode o brasileiro rir, ou sorrir, sem o Mané”
Foto 01 – O companheiro e brilhante
jornalista Roberto Porto, palestrante na homenagem prestada a Garrincha pelo
Centro Histórico-Esportivo da Associação Brasileira de Imprensa, em 23 de
outubro de 2008, dirimiu as dúvidas sobre a data de nascimento do grande craque
e em relação ao seu verdadeiro nome. Porto levou a certidão de nascimento de
Garrincha, onde constam a data de 18 de outubro de 1933 e o nome Manoel dos
Santos.
Foto 02 – Em Pau Grande, além das
peladas e das pescarias, Mané adorava caçar.
Foto 03 – A imprensa anunciava a estréia
de Mané na equipe principal do Botafogo.
Foto 04 – Os três gols de Garrincha
contra o Bonsucesso foram destacados pelos jornais.
Foto 05 – Depois de sofrer séria
contusão em 1960, Garrincha não dispensou a reza de Dona Delfina Maria José:
”São Lifonso que cosa. Carne quebrada, ossos torcidos e nevo rendido”. Era a fé
do homem simples do interior.
Foto 06 – Na decisão do campeonato
estadual de 1962, Gerson foi escalado por Flávio Costa para dar o primeiro
combate a Garrincha. O “canhotinha de ouro”, não conseguiu parar o fenomenal
Mané.
Foto 07 – Em 1958, Garrincha ao lado de
Mazzola. Mané era comparado a Carlitos e a Cantinflas.
Foto 08 – O caricaturista Adail de
Paula, o querido Pinduca, retratou com o brilhantismo de seu traço o gênio
Garrincha, o Chaplin dos gramados.
Foto 09 – A assinatura de Garrincha
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