Otávio, craque no campo e na prancheta
Foram quatro horas de bom
papo, belas recordações e muita emoção pela lembrança dos amigos que não se
encontram mais entre nós. Otávio Sérgio da Costa Moraes nos recebeu em seu
apartamento na Rua Francisco Sá, em Copacabana, no dia 3 de março de 2004:
“Na minha infância já tinha
uma grande ligação com o futebol, porque meu pai jogava no Paysandu. Ele foi
fundador e jogou na primeira representação do clube no campeonato paraense. Na
minha vida toda de garotinho, eu assistia os meus tios e o meu pai jogando
futebol na rua. Nunca os vi jogar num campo, a não ser meu pai. Minha mãe
também tinha irmãos. Era muita gente jogando bola. Eu fiquei apaixonado pela
bola igual a eles.
As lembranças
da infância
Vim com meu pai para o Rio
de Janeiro em 1931 com oito anos. Nós íamos para a praia do Flamengo e o velho
adorava jogar bola. Era uma bola de borracha e ficávamos jogando um para o
outro. Freqüentando a praia comecei a jogar na areia. Na praia tinham uns
rapazes que após o expediente começavam uma pelada às 5 horas da tarde. No
verão a pelada ia até mais tarde Eu era garotinho, com 14 anos, peruando um
lugar. Eles não me deixavam jogar, porque eram rapazes de 23 anos. Uns eram
jornaleiros, outros motorneiros. Naquele tempo os bondes tinham uma garagem no
Largo do Machado. Depois eu entrei nessa e iniciei jogando bola na areia.
Minha família,
posteriormente, se mudou para Copacabana e fiquei internado no Colégio
Saleciano Santa Rosa. O colégio possuía cinco campos e não fiz outra coisa a
não ser assistir aula e jogar bola.
O primeiro
time e a comparação com Romeu
Meu primeiro time foi o Boca
Juniors que era dos rapazes do Largo do Machado. O time era organizado e a
camisa era igual a do Boca, amarelo e azul. Jogávamos pelos subúrbios contra
times de ruas da Tijuca e de outros lugares. Eles achavam que eu era um
garotinho que fazia gol e me levavam. Eu chegava lá, fazia os gols e eles
adoravam. Nessa época, eu já estudava no Santo Antônio Maria Zacarias, no
Catete. O time do colégio era muito bom e no campeonato colegial, no campo do
Flamengo, nós fomos campeões. No dia seguinte, o Globo Esportivo publicou minha
foto com a seguinte legenda: “Otávio, o futuro Romeu das nossas canchas”. Primeiro,
eu não jogava o futebol fantástico do Romeu; segundo, Romeu era armador e eu um
finalizador. Para mim era um elogio”.
Das
Laranjeiras para General Severiano
O garoto revelação do
futebol de praia, dos torneios nos subúrbios e do bom time do colégio passa a
jogar num grande clube:
“Eu vivia no Fluminense como
escoteiro, jogando bola também. Um dia me chamaram para jogar nos juvenis. Não
era minha vontade. Eu queria jogar descalço na areia. Eu era peladeiro, queria
jogar pelada. No Fluminense, passei para o time amador. Nessa categoria não
tinha idade. Muitos profissionais quando paravam de jogar, iam para o amador. O
Nascimento, reserva do Batatais, foi nosso goleiro. Depois de uma partida à
noite, no campo do Fluminense, o Kanela e o Chico Barbastéfano, da Casa da
Borracha, me chamaram para o Botafogo. O Botafogo era campeão e possuía um time
fantástico. Falei com o Kanela que não tinha vaga para mim. Ele me disse que
alguns estavam se formando em Direito, entre eles o José Américo, filho do José
Américo, Governador da Paraíba, e não iam mais jogar futebol. O Togo que era
uma figura extraordinária, antes de se despedir, virou-se para mim e disse:
“Você vai receber um conto e oitocentos para jogar”. O que você falou?
Respondi. Ele repetiu: “Um conto e oitocentos por mês”. Era uma fortuna.
Perguntei: por que você não falou isso antes? Ele falou: “Porque a melhor
notícia tem que ser dada no final. Lá todo mundo recebe. Nós jogamos um futebol
profissional. Só não pagamos ao Paulinho Tovar.” Ele era a estrela do time e eu já sabia que o pai
dele, o Dr. Tovar, Procurador Geral da República, era contra o
profissionalismo. O filho dele não ia receber nunca. O Paulinho pouco se
importava, ele queria é jogar bola”.
A liderança de
Kanela
Otávio conviveu diretamente com
Togo Renan Soares, o popular Kanela, e nos fala sobre essa figura polêmica e
carismática, que se tornou o maior técnico na história do basquete brasileiro
e, também, vitorioso no futebol:
“O Kanela foi um
extraordinário treinador de futebol e de basquete. Ele sabia como puxar de
dentro de você a vontade de ganhar que todo mundo tem. Mas, tem umas ocasiões
que você está bem marcado, não consegue se mexer, o cara é melhor do que você.
Batalha, batalha e não consegue nada. Você começa a ter certo desânimo e chega à
conclusão que aquele não é o seu jogo. O Kanela era capaz de despertar a tua
vontade de ganhar. Cada um ele tratava de modo diferente, o que é essencial num
treinador. A mim, só notei muito depois, ele conseguia me irritar. Piadinhas no
vestiário. No vestiário dizia: “Você não ganha uma daquele negão”. Eu no cantão
zangado comigo mesmo e ele vinha: ”Quer sair?” Como eu quero sair. Ele
prosseguia: “Você pegou o negão e não está conseguindo ganhar uma. Talvez, você
queira fugir da raia e deixar o negão ir prá casa, dizendo que não deixou você
andar”. Eu já meio irritado desabafava: eu não quero nada cara, quero voltar
para o segundo tempo e arrebentar esse negão, você, todos juntos. Você ficava
contra ele e jogava contra ele. E jogando contra ele, o melhor que você podia
fazer era fazer três gols em cima do negão, depois chegar ao vestiário e dizer:
viu cara, você encheu meu saco no vestiário e agora fica aí batendo palmas que
nem um babaca. Ele respondia: “Pois é, eu fico batendo palmas que nem um babaca
e você fica que nem um babaca quarenta e cinco minutos sem passar pelo negão,
que não era tão difícil como você pensava”. Kanela tinha razão.
Os títulos de amador, que
era “marrom”, foram muitos. O Botafogo foi tricampeão. Eu não fui tricampeão,
porque quando entrei o time já tinha sido campeão antes. Quando acabou a
divisão de amadores, entraram os aspirantes e fomos quatro vezes campeões da
categoria. A equipe era a mesma e jogava por música”.
A despedida de
Heleno, a liderança de Carlito e o título de 48
Em 1944, com vinte e um
anos, Otávio assinou contrato, verdadeiramente, como profissional com o
Botafogo que depois de seguidos vice-campeonatos chegou ao inesquecível título
de campeão carioca de 1948:
“Quando completei vinte e um
anos, meu pai achava que o contrato que o Botafogo pretendia era unilateral, e
era. Meu pai falou para mim: “Você já tem vinte e um anos e resolva a sua vida.
Eu não vou ser cúmplice do Botafogo. Por enquanto, você está jogando bola. Eu
não acho que você joga toda essa bola, mas eles acham. Eles querem contratar
você. Tudo bem. Mas, o que eles gastaram? Quem pagou médico fui eu. Quem pagou
dentista fui eu. Quem fez de você um garoto forte prá cacete fui eu. Agora,
quando eles venderem seu passe, o dinheiro vai ficar com eles. Você receberá o
quê?”É verdade. Depois a vida inteira, nós como veteranos batalhamos pelo
direito do passe e conseguimos vencer. Hoje o jogador tem pela lei participação
na venda do passe.
A seqüência de
vice-campeonatos sempre passou pela cabeça de todos nós. O Botafogo tinha
alcançado resultados muito bons, chegando aos vice-campeonatos com times
excelentes. Se você analisar a escalação dos jogadores, verá que o Botafogo
teve times individualmente sensacionais. Acontece que em 48, o fato mais
importante de todos foi o aparecimento de um guia, de um estímulo. Carlito
Rocha representou tudo isso. Ele com enorme dignidade era mais do que um
presidente. Tinha um passado no clube e grande carisma. Nós já o conhecíamos,
ele era um botafoguense quase da fundação, da geração depois da fundação. Ele
nos cativou como um pai. Os jogadores que compuseram o elenco pareciam que
tinham sido escolhidos pelo destino. Paraguaio tinha 19 anos e era o ponta-direita
do juvenil. Vários jogadores atuavam na ponta-direita, no entanto aparece um
menino, indiozinho com uma espontaneidade, uma explosão, rapidez, facilidade de
ir à linha de fundo fantásticas. O Pirilo, dispensado do Flamengo pelo Flávio
Costa, foi contratado pelo Carlito que acreditava nele. Pirilo era um jogador
sensacional, mas estava com uma lesão no joelho. Jogava de joelheira, teria que
operar, mas tinha medo. Chegou ao Botafogo estava muito sentido com o Flávio
por tê-lo dispensado. É muito triste para o jogador que fez um nome ser
dispensado, porque está velho, fora de forma, etc, etc... O cara não aceita.
Acha que, ainda, pode dar. Era isso que o Pirilo sentia e queria provar ao
Flávio que ainda podia jogar futebol. Jogou extraordinariamente e contra o
Flamengo destruía. Somava a vontade de ganhar com a raiva. Ávila veio do
Internacional, onde tinha conquistado oito títulos de campeão. Também
dispensado, chegou como se o futebol dele tivesse acabado. Ele não concordava,
queria jogar, era um jogador extraordinário e mostrou o seu futebol de grande categoria. A escalação
do Rubinho por exemplo. Rubinho era half direito e jogava na areia. Jogava na
Urca com o Paulinho Tovar. Atuou nos aspirantes, era baixo, mas muito forte.
Escalado como half, saía do chão com facilidade com os seus 1,66 de altura. Era
bom no chão e no alto. Apareceu o Nilton Santos que não tinha passado. Nunca vi
no mundo inteiro jogadores com a história do Nilton Santos e do Garrincha.
Ninguém ensinou nada para eles. Não tiveram treinadores e jogaram um futebol
que ficou para história. Se você procurar não vai encontrar ninguém melhor do
que eles no Brasil e no mundo. Entretanto com defeitos hilários. Nilton Santos
bate na bola de “barroso”, isto é, bate na bola com o pé prá dentro. Um cara
com aquela categoria que não sabe chutar. Ele aprendeu? Não. Quando ele chegou,
fez um treino, tomou conta da posição e ninguém perguntou nada. Quem ensinou?
Deus.
Começamos o campeonato
perdendo para o São Cristóvão por 4 a 0. Primeiro, o adversário tinha um time
muito bom. Depois, em minha opinião, nós estávamos mal escalados. Nilton Santos
já devia ter jogado. Marinho, pai do Fred e do PC, foi deslocado da direita
para esquerda. Ele era destro e do lado esquerdo ficou pior, porque pegou o
Santo Cristo. Nilton Cascão não estava bem. Os gols foram surgindo até os 4 a
0.
Nós ficamos arrasados com a
derrota. Aconteceu um fato muito importante que muitas pessoas não sabem. O
Heleno tinha sido vendido para o Boca, e antes de viajar foi assistir a
partida. Ele ficou nas cadeiras cativas localizadas naquele cantinho no lado do
túnel do Pasmado. Nós vimos quando ele entrou, sempre bem vestido. A torcida o
aplaudiu e gritava Heleno, Heleno! Seu Carlito tinha sido o responsável pela
venda. Virou o 1o tempo 2 a 0 e o Neca, jogando um bolão,
dificultava mais as coisa para nós. Neca depois jogou conosco no Botafogo e a
sua presença foi importantíssima. Ele criou e foi o primeiro treinador de
escolinha de futebol. O Dr. Ademar Bebiano, dono da Nova América, em Del
Castilho, chamou o Neca quando ele parou de jogar e o convidou para criar a
escolinha no campo da fábrica. Neca foi contratado e naquele momento estava
fundada a primeira escolinha de futebol do mundo. Voltando ao jogo, quando eles
fizeram 3 a 0 o Heleno saiu. Estávamos tomando aquele vareio e de repente
ouvimos aquelas palmas.
Quem conhece o Botafogo sabe
que para sair daquele cantinho, basta descer às escadarias, virar à esquerda e
chegar à portaria de entrada de General. Heleno não seguiu esse caminho. Abriu
o portão que dividia às cadeiras cativas das arquibancadas e passou pelo meio
da multidão sendo aplaudido de pé. Jogada de astro de Hollywood. O jogo parou e
só se ouvia as palmas. Nós naquela situação terrível e o sacana fez o nome
dele. Cumprimentado por todos, quase saiu carregado. Ficamos vendo a tristeza
do Seu Carlito, vencido. Tinha vendido a estrela. Não chegamos a conversar
sobre o fato. A reação veio espontaneamente e a partir dali ficamos trinta e
seis partidas sem perder. Por incrível que pareça, pouca gente sabe que também
é uma verdade e eu não sou o dono da verdade. Eu só sou um velho que se lembra.
Só isso. Nós ganhamos trinta e seis partidas depois de perdermos de 4 a 0. E,
tem mais, nunca jogamos na frente do marcador. Sempre demos a volta por cima.
Isso eu não sei explicar. Parecia coisa feita. A gente entrava e pimba 1 a 0
contra. Cacete, nós tocamos a bola, dominamos o jogo, sai um vagabundo, mete
uma porrada e gol. Não contente mais um. Aí a gente dois a um, dois a dois,
três a dois, quatro a dois, cinco a dois. Fartamos de fazer isso. É só consultar.
Sobre o time e o título tem explicação: Carlito Rocha.
Antes
da partida final nós viramos em cima do Olaria. Estávamos perdendo por 3 a 1 e
faltando 16 minutos fizemos 4 a 3. Tivemos no decorrer do campeonato alguns
contratempos devido a algumas contusões. Contra o Vasco fomos prá cima. Depois
de dezesseis anos, tínhamos a possibilidade de sermos campeões. Zezé Moreira
estava com muito medo. Nós jogadores, ao contrário, estávamos tranqüilos. O
problema era o Gerson dos Santos que passou a noite com 39o de
febre. Seu Carlito chegou com o Gerson e reuniu todo mundo. Comunicou que o Dr.
Paes Barreto tirou a temperatura do Gerson e naquele momento ele estava com 38o
e que iria jogar o Marinho. Carlito Rocha nos perguntou: “O que vocês acham?”.
Ninguém disse nada. Carlito se dirigiu ao Geninho. Geninho possuía o maior QI
que já vi na minha vida. O currículo dele era Cabo da Polícia Militar de Belo
Horizonte. Ele e o Tim foram os maiores QIs que conheci. Que cabeça eles tinham.
Os dois me dão um banho e eu sou universitário. Então, o que aconteceu:
“Geninho, parece que você não está muito satisfeito”. Geninho com o seu jeito
de mineiro falou: “Olha Seu Carlito, a gente não pode estar satisfeito sabendo
que vamos perder o Dudu”. Era o apelido do Gerson porque nós achávamos que ele
tinha cara de palhaço. Ele ficava puto. Carlito perguntou: “Você tem alguma
sugestão?” Geninho prosseguiu: ”O que o senhor está dizendo é o que nós
sabemos. Quero dizer que o pessoal do Vasco não sabe de nada. A presença do
Gerson na nossa cabeça de área é fundamental e o senhor sabe disso” E era
verdade. Carlito perguntou ao Gerson se ele jogaria e a resposta foi positiva.
No jogo, ele teve um choque de cabeça com o Dimas. Quando o Dr. Paes Barreto
foi socorrê-lo ele perguntou: “Onde é que eu estou”. Gerson teve que sair e nós
passamos a jogar com dez. Só que o Rubinho queria ir para central de área,
porque jogava nessa posição lá na Urca. O Paraguaio disse: “Não, eu sou o
melhor central da minha terra e vou substituir o Gerson”. Eu cheguei e falei:
vocês dois babacas discutindo quem vai ser o central de área. Geninho deu razão
ao Paraguaio, porque nós mexeríamos em apenas uma posição. E fizemos apenas uma
alteração. Futebol é um jogo, como qualquer esporte, inventado para
inteligentes. Paraguaio cumpriu a missão sensacionalmente. O Pirilo voltou um
pouco e eu fiquei na frente enfiado. Não ficava isolado porque o Pirilo sempre
aparecia. Ele jogava xadrez. Se mexia bem, se deslocava bem. Quando eu pegava o
marcador mano a mano, só ele aparecia. O marcador ficava numa merda muito
grande, porque se viesse em mim eu dava para o Pirilo. O Eli não saía de dentro
da área. Vamos esperar. Se ele sair nós metemos para o Otávio por cima e fica
só o Wilson. O Augusto pode vir também, mas se passarmos pelo Eli vai ficar um
buraco entre o Augusto e o Wilson. Com dez, nós cercávamos o time do Vasco. Eu
não voltava. Quando queria ajudar, o Juvenal e o Geninho gritavam comigo: “Fica
lá, fica lá”. Quando o Eli tentava sair, o Danilo alertava: “Volta, olha o
Otávio lá”. Ficamos esperando, até que o Danilo ficou prensado e o Eli apareceu
para receber. O Eli não sabia apoiar, meteu para o Maneca e o Juvenal cortou. O
Juvenal deu para o Ávila que jogou por cima. O Augusto viu que eu entrava, mas
chegou atrasado. Eu dominei no chão e não dei tempo para o Wilson chegar a mim.
Correndo levei para perna direita, a boa, e pensei que ao passar pela linha da
grande área ia chutar, para não ser alcançado. Olhei para o gol e o crioulo
estava apavorado. Olhei e vi o olho do crioulo. Pensei, ele vai me dar um lado
e ficar no outro. Como entrei um pouquinho para esquerda, ele abriu para
esquerda. Levantei a cabeça, não precisei mais olhar para bola. Olhei novamente
para o olho do crioulo. Comentamos depois sobre esse lance. Eu disse ao
Barbosa: você como grande goleiro que é, deixou um canto prá mim e eu chuto no
canto que você quer. Só que eu pensei o seguinte: esse crioulo é um grande
goleiro. Se deixou um canto é porque vai lá. Então, vou dar uma pancada no gol
e se pegar nele, eu mato. Dei uma porrada que passou entre ele e o travessão”.
A saída do
Botafogo e as propostas de Modesto Roma
O Botafogo após a conquista
do título carioca de 1948, só voltou a ser campeão em 57. Otávio nos fala sobre
o que aconteceu depois de 48 até a sua saída do clube:
“Nós fizemos a partir de 48
campeonatos muito bons. Chegamos aos anos seguintes até o quarto lugar. Em 51,
ficamos em 3o a um ponto do Fluminense e do Bangu que decidiram o
título. Nós perdemos do Madureira por 2 a 1, em Conselheiro Galvão, e eles
bateram muito”.
Depois de mais de dez anos de Botafogo, Otávio
deixou o clube de seu coração:
“Minha ligação com o
Botafogo era muito forte e a minha saída foi difícil. Eu entrei em litígio com
o Brandão Filho, diretor de futebol profissional, que era um amigo. Houve um
incidente num treino. Ele levava sempre dois guarda-costas armados. Isso não
tem nada a ver, cria constrangimentos. Entre os atletas de todos os esportes
havia muita união. Nós estávamos acabando de treinar para depois a turma de o
atletismo realizar seu treinamento. Enquanto isso, alguns atletas ficavam
correndo em torno do campo. Um dia, o Brandão cismou e mandou parar o treino. O
Carvalho Leite era o treinador. Aí, o Brandão expulsou os atletas de campo que
saíram tranqüilamente. O atletismo do Botafogo era campeão brasileiro e vários
atletas da equipe eram campeões sul-americanos. Nós ficamos no meio do campo e
o Gerson comentou: “Esse homem não pode fazer isso com essa rapaziada”. O
Geninho concordou conosco, mas disse que não podia fazer nada Então, falei:
você não pode porque é investigador e trabalha na delegacia dele. O Emil
Pinheiro também era investigador e trabalhava com o Brandão Filho. Combinamos
falar com o homem, sem o Geninho. Fomos eu, Gerson e o Pirilo. Explicamos ao
Brandão que estávamos nos sentindo culpados pelo que aconteceu e considerávamos
aqueles atletas glórias do clube. Ele nos olhou e disse: “Vocês querem que eu
peça desculpas”. O Gerson falou: “Sim, porque nós vamos pedir desculpas a
eles”. O Brandão Filho deixou claro: “Fiz o que tinha que fazer e não peço
desculpas a ninguém”.
Eu sou botafoguense e, em
São Paulo, sou peixe. Eles me trataram com a maior cordialidade. O presidente
era o Modesto Roma que tinha muito do Carlito Rocha. Um homem alto, rico,
agente marítimo, possuía uma frota de navios em Santos e exportava muitos
produtos para a Europa. Ele alugava as embarcações e fazia a exportação. Ele
veio ao Rio para me levar para o Santos e me disse que iria formar um time a
fim de marcar época na história do futebol paulista e brasileiro. Formou a
equipe com: Manga, do Bonsucesso, Carlyle, Hélvio, Nenem, Zito, Formiga, Tite,
Telesca. Terminamos o campeonato de 1952, em 3o lugar.
Eu não queria sair do
Botafogo, mas o Brandão Filho enviou uma carta para mim me autorizando a
procurar clube. Tanto que eu o procurei e disse-lhe que não ia procurar clube.
O senhor que está querendo a minha saída, procure um clube prá mim. Coloque meu
passe à venda. Onde já se viu uma mercadoria se autovender. Aí, apareceu o
Santos. Tudo o que eu pedi, o Modesto Roma fez. Assinei por dois anos com a
promessa de no fim do contrato ser o arquiteto, eu já estava formado, da firma
construtora que ele iria abrir e responsável pela construção de um estaleiro e
pelos projetos para fabricar seus próprios navios. Parece mentira, mas eu não
minto. O Modesto me disse: “Você vai ser um homem rico” Eu teria de viajar com
minha mulher e meu filho para Amsterdã, a fim de estudar arquitetura naval.
Quando fui para o Santos, já estava exercendo a profissão de arquiteto, na
equipe do Jorge Moreira, na Cidade Universitária. Então, solicitei que ele me
indicasse clientes e montasse um escritório completo para mim em Santos. Na sede da firma dele, o Modesto montou o
escritório. Fui a São Paulo e comprei todo o equipamento para o escritório,
pago por ele. O cliente que me foi apresentado era uma Congregação de Padres
chamada Operários de Jesus. Os padres queriam construir num terreno, um
edifício com um cinema embaixo e apartamentos em cima para alojar os membros da
congregação que fossem a São Paulo Aluguei uma casa na praia de São Vicente e
passei a me ocupar com a arquitetura e o futebol. Fiz o projeto e começamos a
construir. Tudo corria bem. Até que comecei a sentir uma falta enorme, não sei
de que, do Rio de Janeiro. Procurei o Modesto Roma e expliquei a situação. Ele
ficou decepcionado. A diferença entre São Paulo e o Rio é muito grande. Quando
estávamos em campo todos éramos amigos. Depois ninguém me procurava e eu também
não procurava ninguém. Fazer uma amizade era difícil. Era uma sensação
esquisita.
O convite de
Zezé e o não dos dirigentes
Quando retornei ao Rio, o Zezé
Moreira estava treinando o Fluminense. Falei com ele que conseguiria o
empréstimo do meu passe junto ao Santos. Com 29 anos, considerado velho naquela
época, não seria fácil encontrar um clube para comprar meu passe. Viajei com o
pessoal do Fluminense numa excursão à Colômbia. Retornamos e o Zezé me disse
que os diretores não se interessaram em assinar contrato comigo, porque eu já
estava velho. Joguei, ainda, um período na Portuguesa da Ilha do Governador.
Como considerei não ter dado
ao Santos o retorno pela compra do meu passe, procurei o Modesto Roma com um
cheque no valor das luvas por mim recebidas. Ele disse que o cheque era meu.
Ponderei que não havia cumprido o contrato com o Santos. “Só você mesmo. Nunca
encontrei na minha vida alguém como você. Você é uma das pessoas mais dignas
que já encontrei”, foi à resposta dele. Em 1961, ele não era mais presidente do
Santos, e nós nos encontramos. Fomos almoçar no restaurante da firma dele em
Santos. Acabamos de almoçar e fomos até a janela. Ele olhou para mim e disse:
“Trouxe você aqui para ver a construtora que eu fundei e que você deixou para
voltar para o Rio, quando o projeto tinha que ser seu. Estou mostrando para
você saber que tudo o que eu tinha prometido era verdade”.
Otávio na
seleção brasileira
Otávio também vestiu a
camisa da seleção brasileira:
“O Flávio Costa adorava meu
futebol. Ele achava que eu fazia uma armação muito boa e finalizava. Quando ele
me convocou pela primeira vez, eu era titular do aspirante do Botafogo. Fiquei
como reserva do Heleno e do Leônidas. Perguntei ao Flávio o que iria fazer na
seleção, tendo aqueles dois caras. Ele me disse que se os dois começassem com
frescura seriam mandados embora, porque estavam sempre com probleminhas e eu
entraria. Essa convocação foi para o sul-americano de1945. Heleno e Leônidas se
comportaram bem e eu fui cortado.
Veio mais tarde à convocação
para o sul-americano de 1949 e rendi muito pouco. A camisa pesou muito. Eu
nunca pensei que um dia estaria perfilado ouvindo o hino nacional, no campo do
Vasco, ao lado do Zizinho. Os meus ídolos estavam ao meu lado”.
O craque
arquiteto
O arquiteto Otávio, cuja
escolaridade e a formação cultural estavam acima da média do jogador de
futebol, diz como era a convivência com seus companheiros de profissão:
“Sempre tive por eles uma
profunda relação de amizade. Tenho grande facilidade de adaptação com a maioria
das pessoas. Eu me dou bem com todo mundo. Eu amo o ser humano. Nunca posei de
intelectual prá eles. O respeito deles por mim era grande, por terem um amigo
de quarto, de farra, de bebedeira, de jogo, que tinha feito algo que eles não
conseguiram fazer. Todos tinham a vontade de ter feito isso, mas não puderam
por várias razões. Minha família não era pobre, nem rica. Meu pai era gerente
de banco, só isso. Eles tiveram uma vida difícil. Eu estudava, fazia trabalhos,
desenhava nas concentrações e eles olhavam, perguntavam. Sempre os respeitem e
nunca fui à última palavra. Quando
apresentavam alguma solução, eu sempre seguia porque eram muito
criteriosas. No Botafogo tinham setores: o Gerson era o xerife da defesa; o
Geninho comandava o meio-campo, o ataque e era o capitão. O Nilton Santos era
igual ao Ademir, não queria saber da estratégia do jogo. Já o Zizinho, o Tim, o
Geninho eram muito interessados. Tanto que foram bons treinadores. Tanto que
houve um caso muito engraçado. Antes dos coletivos o Zezé reunia todo mundo e
dizia as mesmas coisas. É uma época maravilhosa na vida da gente. Todos moços,
cheios de energia, muita gozação. Aí, o Geninho inventou a sacanagem depois da
preleção do Zezé: “Posso dar uma sugestão?”Não tinha sugestão nenhuma. E o Zezé
respondia: “Não quero sugestão”. Ele ia embora e a gente ficava rindo.
Combinamos de fazer a pergunta sempre que fosse possível. O próximo fui eu e
seguimos por muito tempo com a brincadeira. O Zezé nunca percebeu que era
sacanagem. Todos fizeram isso. Quando chegou a vez do Nilton Santos, ele disse
que tinha vergonha. Agora, depois de velho, está falante. Está igual ao Didi”.
Os maiores
craques do Brasil e o melhor marcador
Otávio aponta as figuras que
mais o impressionaram no futebol brasileiro:
“É muito difícil dizer,
porque as condições do futebol não são as mesmas. Nós veteranos da velha guarda
nas nossas conversas costumamos comparar o futebol com um avião. Somos um DC-3
que levava daqui a Belém cinco horas. O Pelé é um Constelation, já entra na era
do jato, com todo o conforto e enorme segurança de vôo. O Ronaldinho e todos
esses meninos são o Concorde Eles têm uma medicina esportiva melhor, um preparo
físico melhor.
O melhor goleiro, ainda, foi
o Manga. Na zaga, destaco Domingos da Guia e Nilton Santos. Dependendo do
esquema de jogo, no meio-campo, Jorginho que jogou na Alemanha. Meu melhor
marcador foi o Mauro Ramos. Injustiçado ficou no banco da seleção desde 49. Em
50, ficou na reserva do Juvenal. Chegou a ser banco do Wilson. Em 62, foi
titular e falou com o Aimoré: “Biscoito, vou para ser titular”.
Joguei contra o Mauro várias
vezes na seleção e no Botafogo. Ele sabia o que nós atacantes íamos fazer,
porque ele estudava todas as nossas características”.
Na Portuguesa, da Ilha do
Governador, clube onde encerrou a carreira, Otávio jogou todo o 2º turno do
campeonato carioca de 1953. Estreou diante do Madureira, em Conselheiro Galvão,
no dia 27 de setembro, na 1ª rodada do returno. A lusa carioca venceu por 2 a 1
e Otávio abriu a contagem com um belo gol de bicicleta.
A Portuguesa nos dez jogos
restantes obteve sete derrotas e uma vitória. No triunfo sobre o Canto do Rio
por 4 a 0, Otávio marcou um dos gols.
Em 1943, Otávio chegou ao Botafogo e integrou a excelente equipe amadora dirigida por Kanela: em pé, Cid, Ruy, Alfredo, Dunga, Hélio e Boliviano; agachados, Afonsinho, Tovar, Otávio, Guttemberg e Renê
Na vitória sobre o Vasco por 2 a 1, no turno do campeonato carioca de 1948, Otávio disputa a bola com Augusto
Otávio salta com Milton, goleiro do Madureira, em partida válida pelo campeonato carioca de 1948
Artilheiro do campeonato carioca de 1948 com o tricolor Orlando "Pingo de Ouro", o atacante toca a bola para o fundo da rede de Alvarez, goleiro do Bonsucesso
Otávio recebe do jornalista Mário Filho, do Jornal dos Sports, o troféu de artilheiro do campeonato carioca de 1948
Em 1949, na seleção brasileira, Otávio sagrou campeão sul-americano. O Brasil goleou os peruanos por 7 a 1: em pé, Eli, Wilson, Barbosa, Augusto, Danilo, Noronha e Johnson (massagista); Mário Américo (massagista), Tesourinha, Zizinho, Otávio, Jair e Simão
No Torneio Rio-São Paulo de 1952, vemos uma das formações do Botafogo: em pé, Tomé, Osvaldo, Nilton Santos, Arati, Ruarinho e Carlito; agachados, Braguinha, Geninho, Pirilo, Otávio e Jaime
No campeonato paulista de 1952, antes da partida Santos e Radium, de Mococa, Otávio conversa com Carlito, seu ex companheiro de Botafogo
Em 1953, Otávio aceitou o convite de Zezé Moreira e excursionou por gramados sul-americanos com o Fluminense. Time tricolor antes da partida diante do Atlético de Barranquilla: em pé, Píndaro, Jair Santana, Emilson, Bigode, Veludo e Duque; agachados, Telê, Robson, Marinho, Otávio e Quincas. 1 a 1 foi o resultado do jogo.
A carreira de Otávio começou no time amador do Fluminense, em 1942.
O paraense Otávio Sérgio da
Costa Moraes nasceu em Belém no dia 9 de julho de 1923 e nos deixou no dia 19 de
outubro de 2009. Em 9 de julho de 2013, Otávio completaria 90 anos.
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