Victor
Em março de
2006, encontramos com Victor Azambuja Monteiro, o Vitor da linha média formada
por ele, Edson e Bigode do chamado timinho do Fluminense, campeão carioca de
1951. A conversa, na sala do Flu-Memória, na presença do zeloso Luizinho,
trouxe inúmeras e boas recordações:
“A minha
história é meio complicada, porque eu tive uma infância muito difícil. Vim de
uma família carente e naquela época a despesa ficava toda em cima de meu pai.
Eu era um peladeiro. Queria estar sempre num campo de futebol. Eu ia jogar
pelada em vez de ir ao colégio. Assim fui levando a minha vida até começar a
trabalhar com meu tio, que era proprietário de uma farmácia, em São João de
Meriti.
No Madureira, a primeira experiência
Tinha meus
15 para 16 anos e dali fui fazer uma experiência no Madureira e me aproveitaram
na categoria de base. Disputei naquele ano de 1946 o campeonato carioca de
juvenil. No time principal do Madureira tinham muitos cobras. Lá jogaram Jair,
Lelé, Isaias, Espinelli. Todos eram nossos ídolos.
As
dificuldades em um clube pequeno são muito grandes. Íamos para os outros
estádios na carroceria de caminhão. Enquanto os jogadores do Fluminense,
Flamengo, Botafogo estavam bem alimentados. Nós saímos de casa cedo só com o
café. Quando ganhávamos tudo bem, mas na maior parte das vezes nos davam o
dinheiro da passagem para pegar o trem.
De Teixeira de Castro para as Laranjeiras
Jogava no
São João FC, de São João de Meriti. Um dia, o Bonsucesso foi lá jogar uma
partida amistosa e eu joguei além daquilo que eu pensava que podia ser. Quando
terminou o jogo eu e mais dois colegas recebemos o convite para irmos treinar
no Bonsucesso. Meus colegas não foram e eu fui sozinho. Treinei bem e no terceiro
treino me chamaram para assinar contrato. Entrei no lugar do Mirim, que estava
indo para o Fluminense, ganhando 600 cruzeiros. O Bonsucesso estava contratando
o Alvarez, goleiro uruguaio. Lá encontrei o Miguel, que era zagueiro, Cambuí,
Tampinha, Urubatão, Gilberto.
Fizemos uma
boa temporada e no ano seguinte renovei contrato recebendo agora 4000
cruzeiros. Tive a infelicidade de estourar meus meniscos da perna direita num
jogo contra o Fluminense, em Teixeira de Castro. Fui operado e só voltei oito
meses depois. Num clube pequeno cheio de dificuldades não me trataram como eu
deveria ser cuidado.
Quando
retornei ao time fiz um excelente campeonato em 1950. No jogo com o Fluminense,
no Maracanã, jogando fora da minha posição consegui fazer três gols no
Castilho. Ganhamos de 5 a 3 para infelicidade do Fluminense e para minha
felicidade, porque jogava no Bonsucesso. Mas, meu clube sempre foi o
Fluminense.
Não sentia
mais a perna e após o campeonato houve mudança no Fluminense com a contratação
de Zezé Moreira. Com o Zezé, a pedido dele, veio o Gradim. A pedido do Gradim o
Fluminense me contratou
Cheguei ao
Fluminense para fazer experiência de um mês, porque o presidente do Bonsucesso
não queria me vender. Comecei a treinar o tempo passando e nada resolvido. Até
que o Bonsucesso foi treinar com o Fluminense, nas Laranjeiras.
Para
surpresa minha, o presidente do Bonsucesso não me deixou treinar no Fluminense
e sim no Bonsucesso. Começou o treino e o Fluminense ganhava de 2 a 0. Eu
estava do lado de fora com a camisa do Bonsucesso. Entrei no segundo tempo e
para minha felicidade viramos e ganhamos de 3 a 2.
O prazo
estava se expirando e o meu sonho não se realizava. Eu tinha o aval do Zezé,
mas por outro lado o presidente do Bonsucesso e o Fluminense não chegavam a um
acordo financeiro. Foi mais uma semana de agonia. Até que apareceu o Romeu Dias
Pino, presidente do Conselho Deliberativo, e resolveu a questão. Por 100 mil
cruzeiros fui liberado para minha alegria.
Titular no sistema de Zezé Moreira
Não fui
titular logo no início. O titular era o Pé de Valsa e o Nelson Adams o reserva.
Para alegria minha e infelicidade do Nelson Adams, ele rompeu o tendão de
Aquiles e não conseguiu voltar mais. Eu me adaptei mais ao sistema do Zezé
Moreira, a marcação por zona, do que o Pé de Valsa, que era muito mais técnico.
Eu era mais de briga.
Veio o
campeonato, eu joguei nos aspirantes e o Pé de Valsa no time titular. Na
terceira ou quarta rodada, os aspirantes venceram do Vasco, se não me engano,
por 3 a 0, e os titulares perderam por 4 a 2 e o Pé de Valsa foi queimado.
Na semana do
jogo contra o Bangu, Zezé me colocou para treinar meio tempo nos aspirantes e
meio nos titulares. Na concentração os aspirantes acordavam às 7 horas e os
titulares às 8. No domingo do jogo, não me acordaram. Às 10 horas fizemos a
revisão médica e o Pé de Valsa foi queimado, dizendo que a pressão dele estava
alta. Para minha felicidade a porta se abriu naquele dia. Ganhamos do Bangu,
que era o bicho papão, por 5 a 3, e daí por diante joguei o campeonato todo”.
O “timinho” não era timinho
A imprensa
em geral e os torcedores dos outros clubes chamavam a equipe do Fluminense de
timinho. Victor nos conta como ele e seus companheiros reagiam e a partir de
qual momento sentiram que poderiam ser campeões:
“Só quero
saber o seguinte: time igual ao do Fluminense, da categoria do Fluminense, com
quatro jogadores de seleção, é timinho? Então, os outros times o que eram?
Perna de pau. Tínhamos Castilho, Píndaro, Pinheiro, Didi, Orlando. Eles
pensavam que era timinho, mas não era.
Nós
sentíamos que tínhamos condições de chegar ao título, porque nós éramos muito
aplicados. Nós sabíamos o que o Zezé queria. Nós cumpríamos aquilo à risca,
nunca fugimos. Todo mundo dizia é marcação por zona, ele vai matar os jogadores.
E ninguém morreu. Eu, por exemplo, não morri. Eu e o Edson tínhamos um preparo
físico muito bom e marcávamos muito.
O Fluminense tinha time para ganhar do Bangu
A derrota na
última rodada, que provocou a melhor de três, para nós foi uma surpresa, apesar
do Bangu ter um grande time. O nosso era mais aplicado e mais bem treinado. Nós
quando saímos para a decisão contra o Bangu, saímos compenetrados que tínhamos
time para ganhar do Bangu.
A posição do
Telê no juvenil era centro-avante. Quando o Telê foi para o profissional, o
Zezé o colocou na ponta-direita, porque queria alguém que fechasse pelo lado
direito e não ficasse fixo lá na frente.
Telê se
adaptou de tal maneira que se tornou uma figura no time que mais cumpria a
determinação do Zezé. Carlyle foi expulso no primeiro jogo e o Telê foi
escalado como centroavante, entrando o Lino na ponta-direita e o Robson na
esquerda.
Na primeira
partida, num escanteio o Carlyle se aproximou do Osvaldo “Topete” e foi
empurrado por ele. Quando o Osvaldo deu às costas, o Carlyle desmanchou o
cabelo dele. O Mário Vianna expulsou só o Carlyle. Eu tinha a certeza de que
aquele ano era do Fluminense.
No primeiro
jogo, o Mendonça ameaçou todo mundo. Quando ele ameaçou o Joel, o Didi foi se
meter e também foi ameaçado, dizendo que ia dar mesmo. O Didi respondeu se ele
fosse dar, ia levar também. Na primeira bola dividida, o Didi já estava
prevenido e, malandramente, esticou a perna a mais. Aconteceu o que não podia
acontecer, fraturar a perna do Mendonça”.
A participação no time de aspirantes e o vice do Rio-São Paulo
No ano
seguinte, o Fluminense, na qualidade de campeão carioca, disputou a II Copa
Rio, por ocasião de seu cinquentenário. Victor explica porque não participou
dessa inesquecível conquista:
“Nessa
época, um amigo do Zezé ofereceu o Jair Santana, do Olaria, ao Fluminense. O
Jair foi contratado e o Zezé também começou a mexer no time. Eu fui um dos
sacados. Estava no grupo e treinava a semana toda e só não ia para
concentração. Não sei por que não era escalado”.
Sem jogar na
equipe principal, Victor integrou os aspirantes e conquistou títulos. Em 1954,
o Fluminense foi vice-campeão do Torneio Rio-São Paulo, perdendo o título na
última rodada:
“Olha, no
time de aspirante tinha grandes jogadores. Primeiro, o goleiro era o Veludo.
Getúlio na lateral-direita. Getúlio jogou no Santos. Jogavam também o Nestor,
Lafaiete, Emilson Pessanha, Batatais. Tanto que as minhas participações nos
aspirantes foram mais como meia. Quando você não jogava em cima, jogava nos
aspirantes. Pinguela, que era titular do Bangu, foi contratado e jogava nos
aspirantes. Waldo, João Carlos, Robson jogaram nos aspirantes. Veja quantos
craques saíram daquele time de aspirantes.
O Rio-São
Paulo era um torneio muito difícil. Nós jogamos para ganhar. Perdemos na última
rodada por 1 a 0 para o Vasco e demos o título ao Corinthians. Castilho,
Veludo, Pinheiro e Didi estavam na Copa de 54, na Suíça. Adalberto, Duque e
outros bons jogadores foram seus substitutos”.
Pirilo a causa da saída do Fluminense
Victor
aponta o momento mais importante da sua carreira e conta a razão de sua saída
do Fluminense para o Canto do Rio:
“Foi o
título carioca de 1951. Tinha vindo do Bonsucesso que sempre deu bons jogadores
para o Fluminense: Renganeschi, Rui, Pé de Valsa, Mirim, Careca. Quando entrei
no time só perdi dois jogos.
Em 55, o
treinador era o Russo e eu vinha jogando. No final do ano, o Fluminense
contratou o Pirilo. Ele começou a fazer uma série de modificações. Trouxe
alguns jogadores do Bonsucesso, como Paulo, Jair Francisco. Durante os
treinamentos, foi tirando um, tirando outro até que me sacou. O direito de me
sacar ele tinha, porém eu vinha jogando bem. No meu lugar entrou o Batatais,
dos aspirantes.
Continuei a
trabalhar, mas senti que o negócio não estava clareando. Em determinada semana,
tive um problema de família para resolver e pedi para não me concentrar. Ele me
liberou. Quando cheguei terça-feira, ele estava diferente. Fui ficando de lado,
de lado e um dia fui excursionar com o time de aspirantes pelo interior.
Estávamos
com o Gradim, em Colatina, e o time principal em Vitória. Pirilo vai à Colatina
nos visitar e me chama para dar conselhos. Achava que era hora de eu sair do
Fluminense coisa e tal. Eu disse para ele que se conselho fosse bom ele não me
dava, ia me vender. Eu não ia comprar, porque não quero conselho. Ficou naquilo
e quando voltei da excursão, senti que não tinha mais ambiente com ele. Aí, o
José de Almeida me chamou para uma reunião com o Pirilo. Ficamos os três e ele
voltou a me dar conselhos. Eu me virei e disse: vou embora porque não tenho
mais clima aqui. Tenho mais seis meses de contrato com o Fluminense e posso
ficar, mas eu não quero. Disse para o Pirilo: você vai se livrar de mim”.
A ida para o Canto do Rio
O Canto do
Rio já tinha se interessado por mim. Falei com o Adolfo de Oliveira, que era
deputado na época, aceitei a proposta e fui para o Canto do Rio. Estava com 29
para 30 anos. Veludo, Duque, Lafaiete, Eli, Adésio, Garcia, Floriano, depois o
Orlando “Pingo de Ouro” também foram contratados. Dava para fazer um bom time.
Embarquei naquela barca e fui parar em Niterói. Fiquei livre do Pirilo e ele de
mim.
A
dificuldade era o transporte. Ia e voltava todos os dias. Os três primeiros
meses foram muito bons. Aquilo foi um projeto que não deu certo.
Quando
chegamos encontramos como técnico o Nilton Anet. Depois o Lafaiete assumiu a
direção do time e foi um desastre. Deixou de lado aquele grupo que foi com ele
e passou a escalar os garotos. O Canto do Rio começou a se afundar.
Não
adiantava falar com o Lafaiete. Conversamos com o Adolfo que o Lafaiete não ia
dar certo. Mas nenhuma providência foi tomada. Quando o Adolfo sentiu que a
coisa estava feia, chamou a mim, o Veludo e perguntou sobre o Zezé Moreira.
Pegamos o endereço do Zezé com o José de Almeida, no Fluminense, e o levamos
para Niterói. Na excursão que fizemos à Europa, foi conosco o Pinheiro.
Clube
pequeno é muito problemático e começou a faltar dinheiro. Quantas vezes saí de
Niterói uma hora da manhã, esperando o tesoureiro chegar para saber se tinha
dinheiro para nos pagar, e não tinha. Chegava a casa às 3 horas da manhã para
estar no dia seguinte às 9 horas, em Niterói. Aquilo atingiu um ponto que não dava
mais”.
Campeão na Venezuela
Depois do
Canto do Rio, a convite do empresário José da Gama, Victor vai para o exterior:
“Em 1959, o
José da Gama, que era empresário e foi presidente do Madureira, convidou um
grupo de jogadores para jogar na Venezuela. Eli, Edésio, que era cria do Canto
do Rio, e mais três foram comigo. Defendemos o Desportivo Espanhol e fomos
campeões.
A viagem era
muito longa. Eram dez horas naqueles aviões quadrimotores. Retornei e resolvi
parar. Jogar em time pequeno não dava mais. Fui procurar emprego. Como o
Prefeito de São João de Meriti era meu amigo, me contratou. Hoje, estou
aposentado, ganho bem e dá para viver”.
Os melhores técnicos e os maiores craques
Victor viu
muitos craques atuarem. Destaca aqueles que mais o impressionaram e falou dos
adversários mais difíceis:
“Moleque,
ainda, era fã do Batatais, do Romeu. Quando me tornei profissional não me
espelhei em ninguém. Cumpria sim às determinações do treinador.
Na minha
posição sempre gostei do Zito, do Santos. Tostão foi muito bom. Rubens, o
Dr.Rúbis, do Flamengo, era chatíssimo de se enfrentar e foi um craque.
Excelentes jogadores foram também Ipojucan, Tovar. Agora os dois maiores
jogadores de meio-campo foram Didi e Zizinho.
O Fluminense
teve a felicidade de anos e mais anos ter dois tremendos goleiros, Carlos José
Castilho e Veludo. Muitos falam que o Veludo era melhor do que o Castilho. Não
era. O Castilho era mais sério no trabalho dele e o Veludo era displicente. Por
isso, primeiro Castilho, segundo Veludo.
Trabalhei
com bons técnicos. Gradim era bom treinador e muito humilde. Zezé Moreira era
fora de série. Tanto que era fora de série, que teve um aluno que demonstrou o
que ele era. Telê é aluno de Zezé Moreira. Pinheirão foi treinador também. Ambos
trabalhavam na filosofia do Zezé Moreira”.
As mágoas não esquecidas
Victor ao se
despedir, deixou claro que algumas mágoas não foram apagadas das suas
lembranças:
“Reclamo do
futebol, a existência de umas peças que são treinadores e pensam que são os
donos do mundo. A chegada do Pirilo ao Fluminense transformou a minha vida. Me
arrependo de não ter dito ao Pirilo que não iria embora, a não ser se o
Fluminense rescindisse meu contrato e me desse o que eu tinha direito.
Há bem pouco
tempo eu estava trabalhando, em Xerém, e não sei quais as razões do tufão que
passou e tirou Pinheiro, Altair, Denilson e eu.
Sou grato ao
Fluminense. O clube sempre cumpriu comigo todas as obrigações e eu sempre
cumpri com os meus deveres. Lamentavelmente, fui penalizado sem ter praticado
nenhuma irregularidade”.
Equipe do Bonsucesso que disputou o Torneio Início de 1949, no campo do Fluminense: Victor, Cambuí, Borracha, Tião, Rubens e Gato; Abdias (massagista), Demil, Rabada, Roberto, Cola e Soca.
Time de aspirantes do Fluminense campeão carioca de 1951: Veludo, Nestor, Emilson, Larry, Joel, Duarte, Bimba, Victor, Lino, João Carlos e Robson.
Victor em ação na vitória do Fluminense por 4 a 2 sobre o Canto do Rio, no campeonato carioca de 1951.
Nas partidas finais do campeonato carioca de 1951contra o Bangu, Victor teve pela frente o grande Zizinho.
Uma das formações do Fluminense no campeonato carioca de 1952: Píndaro, Edson, Victor, Castilho, Pinheiro e Bigode; Telê, Didi, Marinho, Robson e Quincas.
Equipe do Fluminense na temporada de 1955: Getúlio, Edson, Pinheiro, Veludo, Lafaiete e Victor; Telê, Robson, Waldo, Didi e Escurinho.
Nas Laranjeiras, Victor em um momento de fé.
Time do Fluminense na temporada de 1955: Clóvis, Lafaiete, Victor, Duque, Veludo e Bassu; Wilson Bauru, Didi, Átis, Waldo e Quincas.
Quando saiu do Fluminense, em 1956, Victor passou a defender o Canto do Rio: Lafaiete, Veludo, Eli, Victor, Duque e Hélcio; Jairo, Julinho, Zequinha, Orlando Pingo de Ouro e Ari.