Jair, o “Jajá de Barra Mansa e de Quatis”
No dia 6 de março de 2001, na esquina da Praça Sãens Pena com a Rua Soares
da Costa, Jair conversou comigo sobre sua longa carreira no futebol, na
presença do prezado companheiro Luís Fernando Vassalo, “O repórter que sabe de
tudo”, com quem tive a satisfação de trabalhar na Emissora Continental e,
posteriormente, na Rádio Nacional.
Como tudo
começou
A trajetória de Jair Rosa Pinto é
uma das mais longas que se tem conhecimento no futebol brasileiro. Foram 25
anos mostrando sua arte e seus conhecimentos nos inúmeros estádios em que
jogou. Ele falou como tudo aconteceu:
“Nasci
em Quatis, distrito de Barra Mansa, e no próximo dia 21 de março (corria o ano
de 2001) completo 81 anos. Sou o caçula de quatro irmãos. Todos bons de bola.
Orlando, que foi profissional do Vasco e excelente jogador, me serviu de
exemplo.
No meu nome não tem o “da” e como disse não sou de Barra Mansa, nasci
em Quatis. O pessoal de Quatis não me homenageia, porque diz que o Jair ficou
conhecido como o “Jajá de Barra Mansa”. É um problema.
Jogava minhas peladas no quintal lá
de casa e com sete anos fui estudar em Barra Mansa. Minha carreira tem início
no juvenil do Mendes. Tinha 14 anos. Depois fui jogar no 1o time do
Barra Mansa. Retornei a Mendes e joguei dois anos no 1o time do
Frigorífico. Em 38, antes de vir para o Rio, voltei a jogar no 1o
time do Barra Mansa.
A vinda para o
Rio
Em novembro de 38, com 17 anos, vim
jogar no Madureira. Eles foram buscar o Anatólio, no 1o time do
Barra Mansa. O Anatólio disse que só viria se eu viesse com ele. Cheguei e
encontrei muitos cobras no Madureira, como Norival e Gringo.
No início, não queriam que eu
treinasse porque eu era menor. Ameacei ir para o Vasco, time do meu irmão, que
muito me ajudou, falando a meu respeito. Quando me deixaram treinar, com vinte minutos
de treino, me chamaram para assinar contrato.
Estreei, ainda em 38, num amistoso
contra o Vasco, lá em Madureira. O Vasco venceu por 2 a 1 e eu perdi um pênalti.
Se marcasse seria o empate. O time do Madureira nessa época era Pintado,
Norival e Cachimbo; Paulista e Alcides ou Gringo; Adilson; Lelé, Baleiro, Jair
e Dentinho. O estádio do Madureira ficava na Rua Domingos Lopes e o homem forte
do clube era o Aniceto Moscoso, nome do atual estádio na Rua Conselheiro
Galvão.
Na seleção
brasileira com 18 anos
Com 18 anos, em 39, fui convocado
para a seleção brasileira. Disputei a Copa Roca contra a Argentina, em São
Paulo, ao lado de Nascimento, Jaú, Argemiro, Adilson, Leônidas, Tim, Hércules.
Fiquei no Madureira de 39 a 42.
Nesse período disputei campeonatos cariocas e sempre fui convocado para as
seleções carioca e brasileira. Em 39, fomos campeões do Torneio Início,
disputando a final com o Flamengo. Em 40 e 41, o Madureira ficou em 5o
lugar e em 1942 terminou o campeonato em 4o lugar junto com o São
Cristóvão.
Pela seleção carioca consegui dois
títulos de campeão brasileiro. Nossa seleção era muito boa: Alfredo, Domingos
da Guia e Osvaldo “Gerico”; Biguá, Zazur e Jaime; Pedro Amorim, Zizinho,
Leônidas, Jair ou Perácio e Carreiro.”
O trio
sensação do Madureira
Jair formou com Lelé e Isaias um dos mais
famosos trios atacantes de todos os tempos. Ele fez questão de relembrar outros
trios, que também eram muito bons:
“Fala-se muito em Jair, Isaias e
Lelé, mas existiram outros. O Bangu tinha Ladislau (irmão de Domingos da Guia),
Tião e Plácido; Plácido depois jogou no Madureira. Ele era muito bom de bola.
No São Cristóvão, jogavam Villegas, João Pinto e Nestor; no Canto do Rio,
Paschoal, Geraldo e Perácio; Waldemar de Brito, Leônidas e Gonzales eram
craques fora de série do Flamengo; Luís de Carvalho, Viladônica e Gandula
jogavam no Vasco; Romeu, Russo e Tim formavam um trio espetacular no Fluminense;
e Carvalho Leite, Paschoal e Perácio (o mesmo do Canto do Rio) jogaram no
Botafogo.
Nós três, eu, Lelé e Isaias fomos
para o Vasco. Lelé foi antes e dois meses depois eu e Isaias fomos contratados.
O apelido de “Três Patetas” dado pelo jornalista Álvaro Nascimento, o
“Cascadura”, que escrevia a coluna “Uma pedrinha na chuteira”, no Jornal dos
Sports, nunca nos incomodou, porque nós achamos que não tinha nada haver
conosco.”
Jair veste a
camisa do Vasco
Jair jogou no Vasco de 43 a 46 e nos
conta sobre esse período da sua brilhante trajetória no futebol brasileiro:
“No Vasco, conquistei muitos
títulos. O maior foi o campeonato carioca de 45, quando fomos campeões
invictos. Nosso time base era: Rodrigues ou Barbosa, Rubens, depois Augusto e Rafanelli;
Beracochéa, Eli e Argemiro; Djalma, Ademir, Isaias, Jair e Orlando, meu irmão,
ou Chico. Ondino Viera o técnico. Ele para mim foi o melhor. Nunca encontrei
outro igual.
Quando eu jogava no Madureira, Ondino
mandou dizer que queria falar comigo. Fui ao seu encontro no Café Simpatia, na
Av. Rio Branco. Lá ele me disse que eu ia jogar no Fluminense. Todo contente
cheguei ao Madureira, onde também morava e contei para o Otacílio que ia para o
Fluminense. No dia seguinte, Ondino deixou o Fluminense e foi para o Vasco e eu
fui com ele.”
O Flamengo na
vida de Jair
Depois de quatro anos defendendo a
camisa cruzmaltina, Jair se transferiu para o Flamengo:
“Eu sempre fui titular no Vasco e um
dos principais jogadores do time. Mas, a diretoria não quis equiparar meu
salário com o dos outros jogadores. No Flamengo havia um grupo de verdadeiros
rubro-negros composto por Francisco Abreu, Gilberto Cardoso, Fadel Fadel,
Jurandir, José Maria Scassa, José Moreira Bastos, Antônio Moreira Leite. Esse
grupo me levou para o Flamengo, pagando ao Vasco 800 mil cruzeiros.
Fui para o Flamengo em 46 e
permaneci até 49. O Vasco, com o “Expresso da Vitória”, dominava o campeonato
carioca. No campeonato Carioca de 49, fomos jogar contra o Vasco, em São
Januário. Nosso time era inferior ao do Vasco. Fizemos 2 a 0, gols de Gringo e
virou para 3 a 2, ainda no 1o tempo. Depois eu deixei de empatar,
com o gol vazio. Barbosa falhou, a bola passou e eu não consegui dominá-la.
O Ari Barroso, que irradiava o jogo pela Rádio Tupi, disse que eu
estava na gaveta. Tinha me vendido por 25 mil cruzeiros. As declarações do Ari
chocaram a mim e a minha família, especialmente minha sogra que estava ouvindo
o jogo. No dia seguinte, apareceram na minha casa o Atílio Ricó e o Ferrúcio Sandro,
dirigentes do Palmeiras.
Gilberto Cardoso, que era o médico do Flamengo, na época, me pediu para
ficar, porque o Flávio Costa estava retornando à Gávea, queria contar comigo e
que eu deixasse o Ari Barroso pra lá. Fiquei indeciso. Mas, quando cheguei à
casa da minha sogra ela foi logo dizendo se eu voltasse a jogar no Flamengo,
nunca mais iria a minha casa.”
Tiraria o
chapéu para o Ari Barroso
“Se eu fosse a algum programa de
televisão para tirar o chapéu para alguém, eu tiraria para o Ari Barroso,
porque minha ida para São Paulo só me trouxe alegrias.”
As conquistas
no Palmeiras
O
“Jajá de Barra Mansa” chegou ao Parque Antarctica, em 49, e no ano seguinte
conquistou seu primeiro título com a camisa esmeraldina:
“O Palmeiras tinha um bom time e
merecidamente foi campeão paulista de 1950. Outro título importante para mim
foi o de campeão da Taça Rio, em 1951. Nos jogos finais passamos pelo Vasco e
pelo Juventus, da Itália. Levantamos a taça em pleno Maracanã.
Antes das partidas finais eu estava
preocupado com as atuações do Oberdan e do Waldemar Fiume. O Oberdan não vinha
atuando bem e o Fiume estava com o tornozelo inchado e mal podia caminhar.
Falei com o diretor de futebol e com o médico. Eles insistiam no aproveitamento
do Waldemar Fiume, até que eu o levei na presença do médico e ele declarou que
não dava para jogar. No seu lugar entrou o Túlio.
Com relação ao Oberdan, a situação era mais delicada. Porém,
conseguimos que o Fábio entrasse no gol. Fábio e Túlio jogaram muito. Fomos
campeões com Oberdan depois Fábio, Salvador e Juvenal; Waldemar Fiume depois
Túlio, Luís Vila e Dema; Lima, Ponce de Leon, Liminha, Jair e Rodrigues.
Canhotinho também participou. Fui considerado o melhor jogador da Taça Rio e
ganhei dois mil cruzeiros. Dava para comprar uns três apartamentos. Dividi o
prêmio com meus companheiros.
No ano anterior, perdemos a Copa do
Mundo. Seria o marco da minha trajetória no futebol mundial. Infelizmente não
pode ser. A compensação foi o título da I Copa Rio. Fui campeão mundial de
clubes. Disputaram a Copa Rio: Vasco, Juventus, Estrela Vermelha, Nacional entre
outros. A força do futebol mundial”
No Santos sem
e com Pelé
Jair explicou a sua ida para o
Santos e falou das suas conquistas na Vila Belmiro:
“Quando eu cheguei ao Santos à linha
era Alfredinho, Negri, Pagão, Vasconcelos e Pepe. Faltava um homem para o meio
do campo. A ideia de me contratar partiu do Zito. Eu estava na seleção paulista
no Uruguai, disputando um sul-americano em 1955. Ele me perguntou se eu tinha
interesse em jogar no Santos. Eu respondi: se fosse para colaborar estou aí.
O Palmeiras me deu de graça, você nem pode acreditar. Eu saí porque um
diretor do Palmeiras me proibiu de treinar. Ele me colocou para treinar sozinho
e eu um jogador de prestígio achava aquilo o fim do mundo. No Santos joguei
cinco anos, conquistei três títulos e dois vices. Levantamos dois títulos sem o
Pelé”.
O fim da
carreira
O próximo passo de Jair foi o São
Paulo até chegar a Ponte Preta, onde encerrou a longa carreira profissional:
“Fiquei no São Paulo em 61 e 62, mas
tive um atrito com o treinador e saí. Faltavam dois ou três meses para
completar 25 anos de carreira. Na Ponte Preta, me aceitaram maravilhosamente e
quando completei os 25 anos de vida profissional fizeram uma festa muito bonita.”
O melhor
técnico e os melhores ataques
Sobre o melhor técnico, Jair não
titubeou e a resposta veio na hora:
“Era um estrangeiro, Ondino Viera.
Foi sensacional. Ele dava valor ao jogador e dizia sempre: “Não sou eu que
levanto vocês, são vocês é que me levantam.”
Muitos falam numa linha atacante
formada por Tesourinha, Zizinho, Heleno, eu e Ademir como a maior já formada no
futebol brasileiro. Não foi. Joguei em várias linhas. Numa grande linha em que
eu joguei foi Pedro Amorim, Romeu, Leônidas, eu e Hércules. Romeu foi uma
sumidade no futebol. Tínhamos muitos craques, Zizinho, Waldemar de Brito.
Fazíamos três, quatro seleções e cada um jogava na sua posição verdadeira.”
Quem não conhecia Jair, não
acreditava que daquelas pernas fina saía um chute com rara violência. Jair era
o temor dos goleiros, especialmente, nas batidas de falta:
“O único goleiro que eu não consegui
fazer gol de falta foi Barbosa. Fiz de pênalti. Na maioria, eu fiz muitos gols
de falta.”
No dia 29 de maio de 1949, garoto
com 10 para 11 anos, estava em São Januário assistindo o jogo Flamengo x
Arsenal. Quando o árbitro marcou uma falta contra o time inglês, Jair logo se
apresentou para bater. Swindin, que não o conhecia, não acreditou nos pés
pequenos e nas canelas finas de Jair. Mandou abrir. Daquela canhota famosa saiu
um chute violento. A bola em zigue-zague foi morrer no fundo da rede sob o
olhar surpreso do afamado goleiro.
Nessa partida Jair marcou dois gols
e Durval completou o placar de 3 a 1 para o Flamengo.
Na década de 70, Jair exercendo a
função de técnico dirigiu o Olaria, realizando excelente campanha no campeonato
estadual de 1971. Quatro anos depois, a convite de Francisco Horta, comandou a
“máquina” tricolor.
A despedida no
Madureira e a festa dos amigos
Em 1973, com 54 anos, Jair vestiu a
camisa do Madureira numa partida amistosa. Lembramos esse fato a Jair, porque
estávamos na oportunidade ao lado do querido amigo Dario Paes, diretor do ZN
Jornal, em Conselheiro Galvão:
“Eu só senti naquele dia não ter
tirado retrato. Eu queria mostrar ao público que comecei no Madureira e
encerrei no Madureira. Joguei meio tempo e para mim foi o máximo.”]
Entrevistei, novamente, Jair quatro anos depois,
três dias antes de completar 84 anos, em 21 de março de 2005. Feliz pela
lembrança da homenagem pelo seu aniversário, falou ao microfone da Rádio
Carioca:
“Vou completar se Deus quiser no mês
que vem 59 anos de casado. Amanhã num restaurante na Rua General Roca, 17, vai
haver um almoço em minha homenagem. O gerente, que é meu amigo, colocou lá o
meu retrato. Parece até que eu sou o dono do restaurante. Eu fico feliz da
vida.”
Jair Rosa Pinto completou 84 anos no
dia 21 de março de 2005 e como ele tanto desejava fez 59 anos de casado em abril. Convocado
para a seleção do céu, Jair Rosa Pinto nos deixou no dia 28 de julho de 2005.
Foi ao encontro de Domingos da Guia, Zizinho, Leônidas, Romeu, Pedro Amorim,
Ademir, Waldemar de Brito, Danilo, Barbosa, Isaias, Heleno, Tesourinha e tantos
outros seus amigos que, como ele, brindaram o público brasileiro com a mais
pura arte de jogar futebol.
Neste ano de 2016, no dia 21 de
março, Jair completaria 95 anos. Ele será sempre lembrado como um dos “monstros
sagrados” do futebol como escrevia Geraldo Romualdo da Silva, no Jornal dos
Sports.
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